Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-ao-ingsoc-nao.html antes
de ler esta postagem:
Só podia pensar que a mente de O’Brien conseguia
absorver tudo o que ele pensava na maior discrição... Sua empolgação ao falar a
respeito da metodologia aplicada à repressão aos presos políticos, e em
especial o modo como Jones, Aaronson e Rutherford capitularam, transmitia a
Winston a ideia de estar ouvindo um louco. Mas isso logo era refutado... Se
havia algum louco ali, era ele mesmo.
O tipo voltou a falar
mais rispidamente que o detento nem precisava perder tempo imaginando que se
salvaria... É claro que podia chegar a se render, mas era certo que todos os
que se envolviam em articulações contra o sistema jamais escapavam do amargo
fim. Até podia ser que o Ministério do Amor decidisse poupar-lhe a vida, mas
sua existência estaria sempre conectada ao aparato repressor, pois as interferências
e repressões psíquicas ali introduzidas o acompanhariam enquanto vivesse.
O que O’Brien queria dizer era que enquanto Winston estivesse em suas mãos
passaria por operações de sufocamento da personalidade... Mesmo que vivesse
mais mil anos jamais se recuperaria, e isso significava basicamente que jamais
voltaria a “sentir sensações humanas comuns”. Ele se tornaria um “homem oco” e
para melhor explicar, emendou:
“Tudo estará
morto dentro de ti. Nunca mais serás capaz de amor, ou amizade, ou alegria de
viver, riso, curiosidade, coragem ou integridade. Serás oco. Havemos de te espremer,
te deixar vazio, e então saberemos como te encher”.
(...)
Depois dessas
palavras, voltou-se ao tipo do avental branco e transmitiu-lhe uma ordem. Sob a
cabeça de Winston foi colocado um pesado aparelho enquanto sentava-se ao seu lado.
Mandou que o tipo posicionasse o mostrador do aparelho em três mil... Logo após
tocaram as têmporas do rapaz com dois terminais eletrônicos em cujas pontas
havia pequenas almofadas umedecidas.
No
mesmo instante, Winston perdeu quase que totalmente os sentidos... O’Brien
pegou-lhe a mão garantindo que a intervenção não causaria dor. Num tom quase
bondoso pediu-lhe que o olhasse bem nos olhos. A percepção do detento era a de
que ocorria uma explosão sem que se pudesse ouvir qualquer barulho. Em vez
disso, um “clarão ofuscante” o impactou pavorosamente.
O rapaz não sentia
dores... De repente percebeu-se deitado de costas como se tivesse sido lançado
no momento da estranha explosão. Pelo visto o golpe o atirara para o alto,
havia caído numa posição de prostrado como consequência do golpe a que fora
submetido. Não podia ter certeza do que havia se processado com seu físico, mas
algo lhe dizia que sua mente havia sido afetada drasticamente.
(...)
A visão estava
embaçada... Aos poucos voltou-lhe o foco e então começou a se lembrar “de quem
era, onde estava, e reconheceu o rosto que o fitava de perto”. Todavia
prevalecia a sensação de vazio, como se houvessem extraído um naco de seu
cérebro.
O’Brien disse que aquela sensação não tardaria a passar... Na sequência
pediu que o olhasse fixamente nos olhos e perguntou-lhe sobre qual país travava
guerra com a Oceania... Por um instante Winston manteve-se em silêncio e a
pensar que sabia o que era a Oceania e que era cidadão desse país. Lembrou-se de
Lestásia e Eurásia, mas não sabia dizer se havia guerra e contra quem. Por isso
respondeu que não se lembrava.
O outro afirmou que a guerra era contra a Lestásia e quis saber se ele
se lembrava... Winston disse que sim e na sequência ouviu que a guerra da
Oceania sempre fora contra a Lestásia. Sempre! Desde o seu nascimento e desde
muito antes, no começo da história... Uma guerra sem qualquer interrupção.
Mais uma vez O’Brien perguntou se ele se
lembrava dessas informações... Sim, Winston respondeu que se lembrava. Depois
ouviu referências a respeito de uma “lenda” em torno de três homens que haviam
sido “condenados à morte por traição”. O’Brien salientou que ele imaginou ter
visto certo documento que provava a inocência dos sentenciados. A seguir destacou
que tal registro jamais existiu, deixando claro que o papel não passava de
invenção do próprio Winston. A pergunta era em torno de sua lembrança do
momento em que havia “inventado tal prova”.
Sim, Winston
respondeu que se lembrava o ocorridos de onze anos antes. Depois o outro falou
que havia lhe mostrado os dedos da mão e que o rapaz afirmara ter visto que
eram cinco. Ele se lembrava perfeitamente... Então O’Brien levantou novamente a
mão esquerda, anunciou que lhe mostrava cinco dedos, mas na verdade escondia o
polegar. Quis saber se Winston via cinco dedos... Sim, ele confirmou.
O caso é que, de fato, foi isso o que enxergou “sem deformidade”.
Todavia, aos poucos, passou a sentir um abalo interior e percebeu-se
amedrontado e espantado. Apesar disso podia constatar que o sugestionamento ao
qual vinha sendo submetido parecia produzir resultado.
Era
como se a área que havia se esvaziado em seu cérebro fosse preenchida pelas “verdades”
incutidas por O’Brien. Pelo menos a partir do impacto da questão que lhe era
colocada notava que “dois e dois podiam perfeitamente ser cinco, se fosse
necessário”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-final-da-sessao.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto