sábado, 25 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - avaliação clínica e prosseguimento da sessão; ainda o questionamento a respeito da quantidade “correta” de dedos expostos ao inquirido; aumento da intensidade da dor e busca desesperada pela “resposta correta” diante de uma “floresta de dedos movediços”; nova injeção, alívio da dor e uma outra consideração a respeito do torturador; mudança repentina das questões

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-obrien-cita-frase.html antes de ler esta postagem:

O tipo de avental branco que era inteirado nos aparelhos e registros de planilhas permaneceu na sala em silêncio e sem interferir na conversa de O’Brien com Winston.
Como vimos, o rapaz estava abatido depois de tanta tortura e injeções de substâncias que manipulavam seu estado físico e mental. Atordoado com a inquirição a respeito do “dois e dois nem sempre deve ser entendido como quatro”, deixou-se envolver pelo abraço de proteção de seu carrasco. Este fez um sinal ao tipo de avental, que se aproximou do detento combalido para breve exame... Observou a pulsação e respiração, apalpou algumas articulações e voltou-se ao maioral do Partido Interno para sentenciar que podia dar prosseguimento à sessão.
(...)
O’Brien manipulou a alavanca do dispositivo e fez com que a dilaceração voltasse a afligir o organismo de sua vítima... O indicador de intensidade devia ter atingido a marca dos setenta e cinco enquanto ele colocava novamente os dedos diante de Winston. O rapaz fechou os olhos. Sabia por convicção que eram quatro dedos, mas o que mais importava no momento era continuar vivo ou acabar de uma vez por todas com aquele suplício... Já não tinha condições de saber se estava ou não em pranto, e a questão se resumia a resistir à agonia até que a dor diminuísse.
De fato, algum tempo se passou e ele percebeu que a dor diminuiu. Ao abrir os olhos, viu que O’Brien continuava a manipular o dispositivo, querendo saber quantos dedos estava exibindo diante de seus olhos. Winston repetiu que via quatro, salientou que imaginava serem quatro e que estava tentando ver cinco. O’Brien quis saber se ele estava apenas querendo convencê-lo de que via cinco dedos ou se ansiava por ver de fato.
Winston respondeu que queria mesmo enxergar cinco dedos... O’Brien aumentou a intensidade para oitenta e disse que repetiria a questão. Mais um movimento no dispositivo levou a posição do ponteiro para o noventa do mostrador. Apesar do estrago impingido pela dilaceração, as substâncias injetadas em seu organismo o mantiveram resiliente em relação à dor:

                   Nem quatro nem cinco, mas “uma floresta de dedos parecia movimentar-se numa espécie de dança, entrando e saindo, desaparecendo atrás dos outros e tornando a aparecer”.

Em sua alucinação esforçava-se na contagem, mas não tinha a menor ideia do motivo que o levava a tal inglório esforço. Chegou a concluir que não era possível definir a quantidade de dedos e que devia haver algum mistério envolvendo a “identidade entre o quatro e o cinco”. Assim que sentiu a dor diminuindo, abriu os olhos para conferir os dedos que lhe eram apresentados.
E o que viu foram “inúmeros dedos, como árvores movediças, (que) corriam em todas as direções, cruzando e recruzando seu campo de visão”. Fechou os olhos novamente e logo ouviu O’Brien perguntando a respeito da quantidade de dedos... Desesperado, respondeu que não sabia. Disse que morreria se a intensidade da dor fosse ampliada. Ressaltou que não sabia quantos dedos estava vendo e que podiam ser “cinco, quatro, seis”. Depois perguntou se havia respondido bem.
(...)
Não obteve nenhuma resposta... Em vez disso, tomou uma espetada de agulha no braço que provocou uma boa sensação de “calor balsâmico por todo corpo”. A dor deixou de afligi-lo e ao abrir os olhos fez uma expressão de gratidão ao carrasco, que lhe parecia “mais enrugado, feio e inteligente”.
Estando atado à cama, não conseguia se mexer... Se conseguisse, levaria a mão ao braço de O’Brien numa manifestação de agradecimento. No momento o estimava muito também por lhe ter aliviado as dores. No final das contas, sentiu que não tinha de se importar se aquele misterioso membro do Partido Interno era seu amigo ou inimigo. De repente passou a considerá-lo alguém especial, bom para dialogar... Ponderou que não precisava conquistar sua estima. Em vez disso necessitava de compreensão. Sabia bem que o homem o torturara a ponto de enlouquecê-lo e que provavelmente o encaminharia à execução em breve.
Nada disso importava mais... Por tudo o que havia passado pelas ordens de O’Brien, sentia que tornaram-se íntimos e que possivelmente haveria algum lugar onde os dois poderiam se encontrar reservadamente, à parte de toda estrutura de repressão do Ministério do Amor, para conversar.
O homem o olhava com atenção... Winston calculou que talvez estivesse pensando a mesma coisa que ele.
(...)
O’Brien voltou a falar, mas dessa vez não insistiu a respeito da quantidade de dedos que havia lhe mostrado... Perguntou-lhe se sabia onde estavam e que instalações eram aquelas. Winston respondeu que não sabia, mas calculava que estivessem no Ministério do Amor. E há quanto tempo imaginava que estava ali? Também não sabia... Disse que podiam ser “dias ou semanas”. Muito provavelmente há alguns meses.
O tipo não fez qualquer observação... Isso podia indicar que a permanência dele no Ministério do Amor já durava tempo considerável. Na sequência perguntou se o rapaz imaginava o motivo de o Partido levar as pessoas àquele ambiente. Winston respondeu que se esperava que elas confessassem seu envolvimento em crimes. O’Brien adiantou que não era essa a finalidade e pediu que ele refletisse sobre outro possível motivo.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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