sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - Parsons é levado pelos guardas e outros prisioneiros chegam e são levados para outras instalações do Ministério do Amor; referências à apavorante sala 101; um que parecia não ter queixo e a grande encrenca em que se meteu ao tentar socorrer o que estava há dias sem se alimentar; desespero do tipo esquelético e sua disposição de total submissão para não ser encaminhado à sala 101

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-apos-conducao-do.html antes de ler esta postagem:

Os guardas retiraram Parsons e Winston ficou novamente sozinho... Mas isso não durou muito porque outros detidos, inclusive algumas mulheres, que ele não conhecia foram introduzidos na cela. Esses também foram levados para outra parte do Ministério. O rapaz tentava imaginar o destino de cada um, mas obviamente a atmosfera era das mais misteriosas.
(...)
Houve um momento em que não teve como não reparar a reação de uma das presas ao saber que seria encaminhada para a “sala 101”. A mulher encolheu-se e tornou-se pálida.
Além dessa pressão psicológica, prevalecia a falta de noção em relação ao tempo... Ele pensava que, se sua chegada ao Ministério do Amor ocorrera pela manhã, já estava entardecendo. Por outro lado, podia ser que tivesse chegado ao local à tarde, e nesse caso já devia ser meia-noite.
Em todo caso, era inútil pretender descobrir que horas eram. Olhou à sua volta e contou os presos... Eram seis ao todo e todos estavam calados, mantinham-se sentados e sem qualquer movimentação. Um dos tipos estava bem à frente de Winston... Era o desdentado que parecia não ter queixo. Suas grandes bochechas davam-lhe um aspecto de roedor a farejar o ambiente e a olhar para os rostos dos demais desafortunados. Assim que o encaravam, desviava o foco.
Trouxeram mais um prisioneiro. Este era de causar arrepios por sua magreza e aparência medíocre... Winston pensou que talvez fosse um engenheiro ou que trabalhasse em algum departamento técnico. O rosto do homem era de espantar, já que mais se assemelhava a uma caveira. Seus olhos e boca escandalizavam pela desproporcionalidade... Tinha-se a impressão de que o tipo exalava “ódio homicida” e isso o incomodou a tal ponto que evitou encará-lo. O que ele não imaginava é que o estranho estivesse “morrendo de fome”.
Winston e os demais encarcerados começaram a se dar conta da gravidade de seu quadro. O tipo que parecia não ter queixo estava visivelmente assustado e também evitava qualquer contato com o “escaveirado”, mas o caso é que sentiu que devia fazer algo pelo outro. E foi por isso que retirou um naco de pão velho e sujo de seu macacão, levantou-se e caminhou até sua posição.
Quase que no mesmo instante a teletela vociferou contra a atitude... O que parecia não ter queixo assustou-se e recuou. O “escaveirado” levou as mão esqueléticas ao rosto dando a entender que não tinha nada a ver com a iniciativa inesperada e que se recusava receber qualquer auxílio. Evidentemente estava apavorado com mais um castigo que poderia receber em represália.
Desde a teletela ouviu-se a ordem gritada: “Bumstead J! Solta êsse pedaço de pão!”. O tipo que parecia não ter queixo largou o naco, que caiu no piso da cela... Na sequência a placa metálica exigiu que ele permanecesse de pé onde estava e que voltasse o olhar para a porta. Suas bochechas tremeram quando a porta se abriu violentamente.
O oficial bem escanhoado e de uniforme impecável entrou acompanhado de um guarda musculoso... Assim que recebeu a autorização, o brutamontes esmurrou o prisioneiro que parecia que não tinha queixo. A violência do golpe o lançou para a parede oposta, junto à privada. Ali o homem permaneceu estirado, perdendo sangue pela boca e nariz quebrado. Ele gemeu e rolou para o lado até se levantar com dificuldade. Abriu a boca e o sangue misturado à saliva escorreu pelo seu peito levando para o chão as peças de sua prótese dentária.
(...)
Os demais presos permaneceram quietos e sem esboçar qualquer movimento... O tipo que havia sido surrado voltou ao mesmo lugar onde estivera sentado antes da tentativa de dar de comer ao magérrimo. Winston pôde notar que o local atingido pelo murro começou a escurecer ao mesmo tempo em que a boca do desgraçado se tornava avermelhada, inchada e “com um orifício negro no meio”.
O sangue ainda encharcava o macacão na altura do peito do tipo... Seu olhar ainda mais se acinzentou enquanto investigava os outros prisioneiros e tentava detectar o desprezo por sua humilhação.
A porta abriu-se novamente... Mais uma vez o oficial apareceu e indicou o que tinha aparência esquelética aos guardas. Ordenou que o levassem à sala 101... No mesmo instante o tipo atirou-se ao chão e ergueu os braços num desesperado gesto de imploração enquanto pedia ao “camarada oficial” que não o levasse àquele local... Perguntou se não estavam satisfeitos com tudo o que já ele havia dito... O que mais queriam saber?
O “cara de caveira” disse ainda que havia confessado tudo e que nada mais tinha a dizer. Sugeriu que lhe dissessem o que pretendiam para que ele confessasse exatamente de acordo. Era só escreverem e ele assinaria! Estava disposto a qualquer coisa, menos retornar à sala 101.
Naturalmente o oficial não deu a menor atenção e insistiu que deviam levá-lo à sala 101. Winston nem podia acreditar no tipo de palidez que tomou conta do homem em desespero... Sua pele tornara-se esverdeada enquanto sua súplica era a de um miserável desesperado que gritava que podiam fazer com ele o que bem entendessem, pois já fazia várias semanas que não se alimentava... Que o matassem de fome! Podiam fuzilá-lo, enforcá-lo ou condená-lo a vinte e cinco anos!
Perguntou se queriam que denunciasse alguém... Que lhe dissessem! Confessaria no mesmo instante, pois não se importava com ninguém e tampouco com o que viessem a fazer aos denunciados. Argumentou que era casado e tinha três filhos, sendo que o mais velho ainda não contava seis anos... Se fosse do agrado do regime, podiam degolá-los diante dele que se comprometia a tudo assistir sem virar a cabeça. Que fizessem tudo, menos que o enviassem à sala 101!
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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