terça-feira, 28 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - ao IngSoc não bastava que o processado passasse a se comportar com falsa obediência ou desprezível submissão; que não se alimentasse qualquer medíocre esperança, os defeitos das engrenagens devem ser corrigidos e eliminados; da ineficácia dos antigos sistemas de repressão que encaminhavam os sentenciados à morte sem que eles tivessem abandonado as nocivas ideias; os “invólucros de homens” que se tornaram Jones, Aaronson e Rutherford; uma figura intelectual e fisicamente superior aos criminosos políticos

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-obrien-esclarece.html antes de ler esta postagem:

A mensagem ao Winston era direta... Nas mãos de O’Brien e da equipe de repressão instalada no Ministério do Amor não havia qualquer possibilidade de ser lembrado no futuro. Seria “eliminado da história, transformado em gás solto na atmosfera”. Nenhum documento o citaria... Nada de lembrança! Em síntese, seria aniquilado tanto do passado quanto futuro. Simplesmente não teria existido.
De sua parte, começou a pensar a respeito da tortura que vinha sofrendo e sua real necessidade... Por tudo o que o outro estava dizendo, aquele “trabalho científico” podia não passar de perda de tempo.
O’Brien parecia ler seus pensamentos e colocou o rosto diante de seus olhos. Na sequência disse que sabia o que ele devia estar pensando: Já que no final das contas “deixaria de existir” pouco importava o que dissesse ou fizesse. Não era isso mesmo o que estava pensando? Winston fez que sim.
O’Brien sorriu e disse que o rapaz representava uma deficiência na engrenagem, “uma nódoa que deve ser limpa”. Mas precisava entender que o sistema estava muito a frente dos opressores de outras épocas. Ao IngSoc não bastava a “obediência negativa ou a desprezível submissão”.
Nesse sentido esperava-se que sua rendição se desse apenas por “livre e espontânea vontade”.
(...)
Havia mais a ser entendido pelo detento. A resistência dos que passavam pelo processo não era o motivo de sua destruição... Aliás, enquanto se percebesse relutância e aversão aos métodos e orientações doutrinárias, o aparelho repressivo não avançaria na eliminação física. O objetivo era a conversão da mente e incutir-lhe nova forma.
Nesse processo eliminariam “todo mal e alucinação”. Desse modo, o outrora rebelde restauraria a fidelidade à ideologia. Evidentemente isso devia ocorrer “de corpo e alma” e não apenas por aparência. O’Brien deixou claro ao Winston que, antes de ser executado, teria de voltar aos quadros partidários. Ele que não pensasse que se admitiria o mais secreto “pensamento equivocado”. No fundo, o processo todo buscava eliminar antes de tudo as aberrações mentais e isso valia até o derradeiro momento... Os agentes ficavam atentos até o instante mesmo em que o condenado era sentenciado. Não se admitia qualquer desvio.
Todo esse rigor em relação aos “pensamentos errôneos” se devia à apuração dos expurgos e condenações promovidas no passado. Winston devia saber! Inúmeros foram os casos dos hereges que seguiram publicamente para a grande fogueira vociferando as máximas de sua heresia... De peito aberto, se enchendo de glória. E o mesmo ocorria entre os condenados russos que se encaminharam para a morte tendo os princípios sediciosos ainda evidentes em sua mente.
Novamente O’Brien fazia questão de salientar a diferença entre a eficiência da repressão promovida pelo Partido e aquelas do passado... O Partido, ele disse, tornava perfeita a mente do indivíduo antes de executá-lo. E para mais esclarecer essa questão, enfatizou que:

                   “A ordem dos antigos despotismos era ‘tu não farás’. Os totalitários mudaram para ‘tu farás’. Nossa ordem é ‘tu és’. Ninguém, dos que trazemos a este lugar, se volta contra nós. Todo mundo é levado”.

(...)
Depois O’Brien voltou a falar sobre os casos de Jones, Aaronson e Rutherford... Para a decepção de Winston, que os via como inocentes, os “miseráveis traidores” se comportaram exemplarmente após o tratamento ao qual foram submetidos.
Ele próprio havia participado dos interrogatórios e pôde constatar a transformação pela qual passaram... Aos poucos admitiram suas falhas e logo expuseram fraquezas e vergonha diante da majestade do Partido: gemeram, choraram, rolaram pelo chão... E não era porque estavam sofrendo com dores ou porque estivessem amedrontados! Admitiram sinceramente sua culpa e ansiavam a penitência.
É claro que Winston sabia... Os três foram eliminados. O que ele não podia imaginar é que quando isso aconteceu, não passavam de “invólucros de homens” que sofriam a mágoa por terem se tornado traidores... Do fundo de seus corações manifestavam o amor que devotavam ao Grande Irmão. Sentiam-se puros de pensamento e por isso pediam que os fuzilassem o quanto antes, pois desejavam morrer na condição de reabilitados.
(...)
Enquanto falava, O’Brien exibia uma expressão entusiasmada e “quase sonhadora”. Winston imaginou que aquilo não podia ser encenação. O tipo acreditava mesmo em tudo o que estava lhe dizendo.
De sua parte, lamentava não possuir a mesma “estatura intelectual”. O pior era constatar que em todos os aspectos que pretendesse comparar se perceberia inferior a ele. E mais... Qualquer pensamento que cogitasse em seu mais profundo silêncio era antecipadamente descoberto, “examinado e repelido” pelo outro.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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