Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-copia-do.html antes
de ler esta postagem:
O’Brien vociferou que a realidade não tem lugar
na mente do indivíduo. Apenas na “mente do Partido que é coletivo e imortal”.
Disse isso e completou garantindo que tudo o que o Partido afirmasse ser
verdade, de fato era verdade. Ninguém poderia “ver a realidade” se não fosse a
partir dos “olhos do Partido”.
Encarou Winston com firmeza
e sentenciou que eram as máximas que ele devia reaprender... Mas isso exigia de
sua parte um esforço de autodestruição e de vontade. Isso só seria possível se
fosse capaz de se humilhar, pois era a partir dessa condição que recobraria o
juízo.
Ele queria provocar uma reflexão mais profunda... Por isso fez uma
pausa. Na sequência fez referências ao diário que Winston havia começado, mais
precisamente a respeito de sua frase: "liberdade é a liberdade de escrever
que dois e dois são quatro". Depois levantou a mão esquerda exibindo
quatro dedos e quis saber quantos dedos estava lhe mostrando.
Winston respondeu que
estava vendo quatro dedos... O’Brien balançou a cabeça e perguntou como seria
se o Partido afirmasse que em vez de quatro eram cinco. Ele respondeu que ainda
seriam quatro... Sem demora, O’Brien avançou o indicador do dispositivo de
tortura para a posição cinquenta e cinco.
(...)
A dor se espalhou por todo
o corpo. As palavras do autor descrevem seus efeitos devastadores: “o ar lhe
rasgava os pulmões e saía de novo em profundos gemidos que nem mesmo trincando
os dentes ele conseguia calar”.
O’Brien permanecia com a
mão esquerda estendia a exibir os quatro dedos... Olhava com desprezo para o
sofrimento desesperado do outro, mas movimentou a alavanca para diminuir um
pouco a intensidade das ondas dilacerantes. Esperou alguns segundos para
perguntar novamente a quantidade de dedos. Winston repetiu que estava vendo
quatro dedos.
A alavanca elevou a
intensidade para o marcador sessenta... Apesar da aflição que o dominou,
Winston não conseguia responder de modo diferente... Por isso repetiu que
continuava a ver quatro dedos.
É claro que O’Brien fez o
ponteiro do dispositivo avançar ainda mais. O torturado já não tinha condições
de conferir a marcação porque diante dos olhos estavam os enormes dedos de seu
carrasco. Mas, pelo menos no momento, parecia não haver suplício que o fizesse
mudar de opinião. Novamente perguntado a respeito, respondeu que estava vendo
quatro dedos... Repetiu algumas vezes e as ondas dilacerantes se multiplicaram.
Gritou querendo saber como o outro podia continuar o massacre de seu corpo já
desmantelado.
O’Brien não dava ouvidos ao pranto desesperado do supliciado e seguiu
perguntando quantos dedos estava lhe mostrando... Então Winston respondeu por
três vezes que eram cinco. Evidentemente queria encontrar um modo de
interromper o sofrimento, mas não obteve êxito. O caso é que O’Brien entendeu
que ele estava mentindo e vociferou que não adiantava recorrer a esse tipo de
expediente. Sabia que em seu íntimo ainda pensava que eram quatro dedos e
perguntou novamente.
Winston disse que eram quatro, depois que eram cinco, alternando as
respostas e suplicando para que parasse, pois podia dizer o que desejassem...
Implorou para que interrompesse a utilização do dispositivo de uma vez por
todas.
(...)
De um momento para outro, sem que pudesse
explicar, Winston reconheceu-se sentado na cama... O braço de O’Brien estava
sobre seu ombro. Calculou que por algum tempo perdeu os sentidos. Espantou-se
ao perceber que já não estava totalmente preso à cama.
Sentia tremedeira da cabeça
aos pés, os dentes rangiam enquanto de seus olhos jorravam lágrimas de
desespero. Agarrou-se ao seu algoz como se fosse um indefeso bebê... O’Brien o
mantinha acolhido por seu forte braço. Isso fazia o rapaz sentir que aquele era
o seu protetor e que o sofrimento a que fora submetido só podia ter origem em
outra parte. Em sua miserável condição, entendia que o tipo o havia salvado.
(...)
O’Brien começou a falar sem agressividade... Disse que Winston era lento
no aprendizado. Este perguntou o que podia fazer... Era-lhe penoso saber que
não podia “deixar de ver” o que tinha diante dos olhos. Não podia negar que
“dois e dois são quatro”.
Sua situação era muito
delicada... E mais se complicava na medida em que não podia contar com a
consciência que vinha se deteriorando desde as primeiras sessões de tortura.
O’Brien disse-lhe que às vezes era preciso ver cinco dedos... Eventualmente
podiam ser três. Tudo era uma questão de esforço sincero e pessoal para que
recobrasse a razão.
Essas
palavras foram pronunciadas em tom de camaradagem... Winston sentia que o outro
o confortava e não ofereceu qualquer resistência quando este o deitou e
novamente o atou à cama. Não sentia mais dores, apenas frio. Via-se
enfraquecido, mas a tremedeira do corpo havia passado.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-avaliacao-clinica.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto