quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - O’Brien cita a frase escrita por Winston no diário, “liberdade é a liberdade de escrever que dois e dois são quatro”; os quatro dedos que “deviam ser vistos” como cinco; tortura dilacerante e incerteza a respeito da consciência que procura aliviar o sofrimento; perda dos sentidos e retomada da “reeducação”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-copia-do.html antes de ler esta postagem:

O’Brien vociferou que a realidade não tem lugar na mente do indivíduo. Apenas na “mente do Partido que é coletivo e imortal”. Disse isso e completou garantindo que tudo o que o Partido afirmasse ser verdade, de fato era verdade. Ninguém poderia “ver a realidade” se não fosse a partir dos “olhos do Partido”.
Encarou Winston com firmeza e sentenciou que eram as máximas que ele devia reaprender... Mas isso exigia de sua parte um esforço de autodestruição e de vontade. Isso só seria possível se fosse capaz de se humilhar, pois era a partir dessa condição que recobraria o juízo.
Ele queria provocar uma reflexão mais profunda... Por isso fez uma pausa. Na sequência fez referências ao diário que Winston havia começado, mais precisamente a respeito de sua frase: "liberdade é a liberdade de escrever que dois e dois são quatro". Depois levantou a mão esquerda exibindo quatro dedos e quis saber quantos dedos estava lhe mostrando.
Winston respondeu que estava vendo quatro dedos... O’Brien balançou a cabeça e perguntou como seria se o Partido afirmasse que em vez de quatro eram cinco. Ele respondeu que ainda seriam quatro... Sem demora, O’Brien avançou o indicador do dispositivo de tortura para a posição cinquenta e cinco.
(...)
A dor se espalhou por todo o corpo. As palavras do autor descrevem seus efeitos devastadores: “o ar lhe rasgava os pulmões e saía de novo em profundos gemidos que nem mesmo trincando os dentes ele conseguia calar”.
O’Brien permanecia com a mão esquerda estendia a exibir os quatro dedos... Olhava com desprezo para o sofrimento desesperado do outro, mas movimentou a alavanca para diminuir um pouco a intensidade das ondas dilacerantes. Esperou alguns segundos para perguntar novamente a quantidade de dedos. Winston repetiu que estava vendo quatro dedos.
A alavanca elevou a intensidade para o marcador sessenta... Apesar da aflição que o dominou, Winston não conseguia responder de modo diferente... Por isso repetiu que continuava a ver quatro dedos.
É claro que O’Brien fez o ponteiro do dispositivo avançar ainda mais. O torturado já não tinha condições de conferir a marcação porque diante dos olhos estavam os enormes dedos de seu carrasco. Mas, pelo menos no momento, parecia não haver suplício que o fizesse mudar de opinião. Novamente perguntado a respeito, respondeu que estava vendo quatro dedos... Repetiu algumas vezes e as ondas dilacerantes se multiplicaram. Gritou querendo saber como o outro podia continuar o massacre de seu corpo já desmantelado.
O’Brien não dava ouvidos ao pranto desesperado do supliciado e seguiu perguntando quantos dedos estava lhe mostrando... Então Winston respondeu por três vezes que eram cinco. Evidentemente queria encontrar um modo de interromper o sofrimento, mas não obteve êxito. O caso é que O’Brien entendeu que ele estava mentindo e vociferou que não adiantava recorrer a esse tipo de expediente. Sabia que em seu íntimo ainda pensava que eram quatro dedos e perguntou novamente.
Winston disse que eram quatro, depois que eram cinco, alternando as respostas e suplicando para que parasse, pois podia dizer o que desejassem... Implorou para que interrompesse a utilização do dispositivo de uma vez por todas.
(...)
De um momento para outro, sem que pudesse explicar, Winston reconheceu-se sentado na cama... O braço de O’Brien estava sobre seu ombro. Calculou que por algum tempo perdeu os sentidos. Espantou-se ao perceber que já não estava totalmente preso à cama.
Sentia tremedeira da cabeça aos pés, os dentes rangiam enquanto de seus olhos jorravam lágrimas de desespero. Agarrou-se ao seu algoz como se fosse um indefeso bebê... O’Brien o mantinha acolhido por seu forte braço. Isso fazia o rapaz sentir que aquele era o seu protetor e que o sofrimento a que fora submetido só podia ter origem em outra parte. Em sua miserável condição, entendia que o tipo o havia salvado.
(...)
O’Brien começou a falar sem agressividade... Disse que Winston era lento no aprendizado. Este perguntou o que podia fazer... Era-lhe penoso saber que não podia “deixar de ver” o que tinha diante dos olhos. Não podia negar que “dois e dois são quatro”.
Sua situação era muito delicada... E mais se complicava na medida em que não podia contar com a consciência que vinha se deteriorando desde as primeiras sessões de tortura. O’Brien disse-lhe que às vezes era preciso ver cinco dedos... Eventualmente podiam ser três. Tudo era uma questão de esforço sincero e pessoal para que recobrasse a razão.
Essas palavras foram pronunciadas em tom de camaradagem... Winston sentia que o outro o confortava e não ofereceu qualquer resistência quando este o deitou e novamente o atou à cama. Não sentia mais dores, apenas frio. Via-se enfraquecido, mas a tremedeira do corpo havia passado.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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