quinta-feira, 21 de outubro de 2021

“1984”, de George Orwell - limites da realidade vivenciada pelos povos dos três impérios; tipos completamente alienados como “criaturas interestrelares” e acomodadas perante a estrutura de poder absolutista; minimamente armados e estruturados para a “falsa guerra”; os sentidos da “guerra irreal” e o combate aos súditos; entendendo o lema “Guerra é Paz”; Winston interrompe a leitura, reconsidera a confortável condição no quarto sobre a loja de antiguidades e avalia o conteúdo do “livro proibido”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-filosofias-que.html antes de ler esta postagem:

Para o autor do “livro proibido”, que Winston acreditava ser Emmanuel Goldstein, os que viviam dominados pelos três grandes impérios experimentavam da realidade apenas as pressões da vida cotidiana, como a necessidade de se alimentar, ter onde morar e o que vestir, cuidar para não ingerir produtos nocivos à vida ou sofrer algum acidente mais grave... Sabiam diferenciar as situações que se relacionavam à vida ou à morte e ainda o que podia proporcionar dor ou prazer. Mas era apenas isso.
Essa limitação podia ser explicada pelo fato de as pessoas não terem qualquer contato com a realidade do mundo exterior, o modo de viver nos demais impérios, ou com o passado... Podemos dizer que um tipo que vivesse na Oceania (isso valia também para os da Lestásia e Eurásia) era como uma criatura do “espaço interestelar”, que nada sabe a respeito das direções “para baixo ou para cima”. Essa condição ainda mais se reforçava na medida em que o país possuía governo absolutista de concentração de poder muito maior do que os do antigo Egito ou os dos césares da Roma imperial.
Os potentados dos três impérios não se importavam demasiadamente com as condições dos habitantes, mas buscavam colocar em ação certas medidas para evitar a mortandade excessiva... Basicamente limitavam-se a este esforço ao mesmo tempo que cuidavam para que o aparato e técnicas militares permanecessem no mesmo nível dos oponentes. Tratava-se de um nivelamento “por baixo”, caracterizado pelo “mínimo necessário”.
Uma vez atingida a estabilidade em relação aos rivais, internamente, as lideranças políticas podiam atuar na distorção da realidade, moldando-a como bem entendessem.
(...)
A “guerra permanente” mantida pelos três impérios podia ser considerada uma farsa, uma “impostura” mantida como “assunto puramente interno”. O livro a comparava aos embates de certos animais dotados de chifres que, por mais que se debatam, jamais chegam a se ferir dramaticamente.
Apesar de “irreal”, a “guerra moderna” não era completamente “sem sentido”, e isso porque ela promovia a destruição do excedente dos bens de consumo, além de manter sempre presente a ideia de que a hierarquia social é extremamente necessária.
A respeito das guerras que ocorreram até o final da década de 1940, o livro deixava claro que as lideranças das nações beligerantes podiam chegar ao ponto de reconhecer interesses comuns e, a partir deles, definir limites à destruição. Mas era certo que se empenhavam nos combates, que os vitoriosos impunham condições aos vencidos, e estes sabiam que suas terras seriam saqueadas.
Para o “livro proibido”, as guerras que se seguiram não mais foram de embates de “uns aos outros”, já que os grupos dominantes de cada império passaram a se dedicar a combater aos “próprios súditos”. Assim, já não se almejavam territórios de adversários ou se pretendiam evitar invasões, mas “manter intacta a estrutura da própria sociedade”.
Essa “nova situação” nos levaria a considerar que talvez a palavra “guerra” sequer fosse apropriada para caracterizar os eventos belicosos, pois, tendo se tornado “contínua”, a guerra “deixou de existir” e de pressionar os seres humanos como ocorreu desde os primórdios até a primeira metade do século XX. Por mais paradoxo que possa parecer, se os três grandes impérios deixassem de “guerrear” e acertassem uma “paz perpétua” - em que cada um tivesse suas fronteiras reconhecidas e respeitadas pelos demais - daria no mesmo. O fato é que continuariam como “universos em si mesmos” e livres das ameaças externas.
Do anteriormente exposto, concluía-se que “guerra permanente” e “paz permanente” resultariam na mesma conjuntura... Então podia-se compreender de modo mais claro o “o significado profundo do lema do Partido: ‘Guerra é Paz’”.

(...)

Uma bomba-foguete estourou em alguma área da região habitada pelos proles... Winston interrompeu a leitura e voltou a pensar a respeito da satisfação que podia sentir por poder ler sossegadamente no quarto localizado acima da loja de antiguidades de Charrington, onde não existia teletela e tanto o silêncio quanto a mobília simples lhe proporcionavam aconchego.
Respirou fundo e considerou a solidão do momento, a segurança e o próprio cansaço dos muitos dias de trabalho durante a Semana de Ódio... Pensou em sua condição privilegiada por poder se acomodar na cadeira macia e sentir a brisa que soprava desde a janela.
Pensou sobre o que havia lido até então e avaliou que o conteúdo era dos mais interessantes, pois chamava a atenção e transmitia-lhe certa tranquilidade... Principalmente porque não lera nada sobre o qual já não conhecesse ou tivesse ideia. Isso o atraía porque sentia que poderia formular as mesmas considerações... Apenas teria de imprimir certa ordem às próprias reflexões de pouco embasamento.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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