Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-filosofias-que.html antes
de ler esta postagem:
Para o autor do “livro proibido”, que Winston
acreditava ser Emmanuel Goldstein, os que viviam dominados pelos três grandes
impérios experimentavam da realidade apenas as pressões da vida cotidiana, como
a necessidade de se alimentar, ter onde morar e o que vestir, cuidar para não
ingerir produtos nocivos à vida ou sofrer algum acidente mais grave... Sabiam
diferenciar as situações que se relacionavam à vida ou à morte e ainda o que
podia proporcionar dor ou prazer. Mas era apenas isso.
Essa limitação podia ser
explicada pelo fato de as pessoas não terem qualquer contato com a realidade do
mundo exterior, o modo de viver nos demais impérios, ou com o passado...
Podemos dizer que um tipo que vivesse na Oceania (isso valia também para os da
Lestásia e Eurásia) era como uma criatura do “espaço interestelar”, que nada
sabe a respeito das direções “para baixo ou para cima”. Essa condição ainda
mais se reforçava na medida em que o país possuía governo absolutista de
concentração de poder muito maior do que os do antigo Egito ou os dos césares
da Roma imperial.
Os potentados dos três impérios não se importavam demasiadamente com as
condições dos habitantes, mas buscavam colocar em ação certas medidas para evitar
a mortandade excessiva... Basicamente limitavam-se a este esforço ao mesmo
tempo que cuidavam para que o aparato e técnicas militares permanecessem no
mesmo nível dos oponentes. Tratava-se de um nivelamento “por baixo”,
caracterizado pelo “mínimo necessário”.
Uma vez atingida a
estabilidade em relação aos rivais, internamente, as lideranças políticas
podiam atuar na distorção da realidade, moldando-a como bem entendessem.
(...)
A “guerra permanente”
mantida pelos três impérios podia ser considerada uma farsa, uma “impostura”
mantida como “assunto puramente interno”. O livro a comparava aos embates de
certos animais dotados de chifres que, por mais que se debatam, jamais chegam a
se ferir dramaticamente.
Apesar de “irreal”, a
“guerra moderna” não era completamente “sem sentido”, e isso porque ela
promovia a destruição do excedente dos bens de consumo, além de manter sempre
presente a ideia de que a hierarquia social é extremamente necessária.
A respeito das guerras que
ocorreram até o final da década de 1940, o livro deixava claro que as
lideranças das nações beligerantes podiam chegar ao ponto de reconhecer
interesses comuns e, a partir deles, definir limites à destruição. Mas era
certo que se empenhavam nos combates, que os vitoriosos impunham condições aos
vencidos, e estes sabiam que suas terras seriam saqueadas.
Para o “livro proibido”, as
guerras que se seguiram não mais foram de embates de “uns aos outros”, já que
os grupos dominantes de cada império passaram a se dedicar a combater aos
“próprios súditos”. Assim, já não se almejavam territórios de adversários ou se
pretendiam evitar invasões, mas “manter intacta a estrutura da própria
sociedade”.
Essa “nova situação” nos levaria a considerar que talvez a palavra
“guerra” sequer fosse apropriada para caracterizar os eventos belicosos, pois,
tendo se tornado “contínua”, a guerra “deixou de existir” e de pressionar os
seres humanos como ocorreu desde os primórdios até a primeira metade do século
XX. Por mais paradoxo que possa parecer, se os três grandes impérios deixassem
de “guerrear” e acertassem uma “paz perpétua” - em que cada um tivesse suas
fronteiras reconhecidas e respeitadas pelos demais - daria no mesmo. O fato é
que continuariam como “universos em si mesmos” e livres das ameaças externas.
Do anteriormente exposto, concluía-se que “guerra permanente” e “paz
permanente” resultariam na mesma conjuntura... Então podia-se compreender de
modo mais claro o “o significado profundo do lema do Partido: ‘Guerra é Paz’”.
(...)
Uma bomba-foguete estourou em alguma área da
região habitada pelos proles... Winston interrompeu a leitura e voltou a pensar
a respeito da satisfação que podia sentir por poder ler sossegadamente no
quarto localizado acima da loja de antiguidades de Charrington, onde não
existia teletela e tanto o silêncio quanto a mobília simples lhe proporcionavam
aconchego.
Respirou fundo e considerou
a solidão do momento, a segurança e o próprio cansaço dos muitos dias de
trabalho durante a Semana de Ódio... Pensou em sua condição privilegiada por
poder se acomodar na cadeira macia e sentir a brisa que soprava desde a janela.
Pensou
sobre o que havia lido até então e avaliou que o conteúdo era dos mais
interessantes, pois chamava a atenção e transmitia-lhe certa tranquilidade... Principalmente
porque não lera nada sobre o qual já não conhecesse ou tivesse ideia. Isso o
atraía porque sentia que poderia formular as mesmas considerações... Apenas
teria de imprimir certa ordem às próprias reflexões de pouco embasamento.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto