quinta-feira, 24 de outubro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – valorização das individualidades e mudanças verificadas na construção das casas; reclamações de viajantes ingleses sobre hospedarias francesas e os maus hábitos de seus hóspedes; os passeios para a introspecção nos ricos jardins britânicos; intensa produção artística de retratos; críticas ao predomínio do gênero retratistas nas exposições de arte

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/10/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_22.html antes de ler esta postagem:

Durante o século XVIII as sociedades ocidentais se tornaram mais sensíveis em relação à preservação da individualidade e ao direito de privacidade... Verificou-se uma mudança impressionante nos hábitos mais cotidianos, como o de servir a comida em vasilhas individuais... Os ambientes coletivos, vimos o exemplo dos teatros, tornaram-se locais em que as costumeiras “explosões coletivas” deram “lugar a experiências interiores individuais e mais tranquilas”.
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O direito a viver “separado” dos demais influenciou a construção das habitações... Durante a segunda metade do século observou-se o interesse pelas câmaras (chambre entre os franceses), sendo que os mais ricos se dispunham a reservar quartos exclusivos para as crianças. Em Paris contavam-se mais casas com quartos para dormir do que as que dispunham de “salas destinadas às refeições”. Outra novidade das moradias da elite francesa eram as especificações de alguns ambientes, como o “quarto destinado ao repouso e mau-humor em privado”, os destinados à toilette e aos banhos.
É claro que essas mudanças não se processaram de um momento para outro na França... “A Invenção dos Direitos Humanos” destaca que os ingleses de passagem pelo país costumavam se queixar das hospedarias que, apesar de garantirem camas separadas, mantinham até quatro estranhos num mesmo quarto. Além disso, estranhavam o “uso de lavatórios à vista de todos, o ato de urinarem na lareira e o de jogarem o conteúdo dos penicos na rua pelas janelas”.
Como se vê, também na Inglaterra vinham ocorrendo mudanças comportamentais que valorizavam a privacidade... O livro cita a criação de caminhos pelos jardins das propriedades rurais inglesas no período entre os anos 1740-1760. Os britânicos mais abastados tinham o cuidado no trato de ambientes que permitiam avistar belas paisagens e monumentos pitorescos... Valorizava-se a contemplação e os momentos para as recordações pessoais.
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Na sequência, a pesquisa dá conta do expressivo crescimento da quantidade de retratos verificado no mesmo período.
Até o século XVII, os artistas dedicavam-se a retratar corpos... Mas as figuras destacadas eram sempre as bíblicas, de santos da Igreja Católica e da Sagrada Família, ou ainda dos poderosos monarcas e sua corte.
A partir de meados do XVII e durante o XVIII cada vez mais as pessoas comuns passaram a solicitar pinturas que retratavam suas famílias e a elas próprias. Por volta de 1750 as exposições públicas de obras artísticas se tornaram comuns, e não demorou para que a maior parte das telas apresentassem retratos. Os quadros que exibiam cenas históricas continuaram como foco principal dos especialistas, todavia a disseminação dos retratos se observou tanto em Paris quanto em Londres.
Como nas colônias na América do Norte “as tradições políticas e eclesiásticas europeias tinham menor peso”, o apreço aos retratos era tradicional. Os retratos da gente comum e dos ricos proprietários de terras quadruplicaram entre os colonos dos anos 1750-1776.
Como não poderia deixar de ser, a produção de telas com “motivos históricos” conheceu aumento significativo na França da época revolucionária e napoleônica, mas ainda assim os retratos continuaram a constituir cerca de 40% das obras expostas nos “salons” do mesmo período. No final do século XVIII, os artistas passaram a cobrar mais pelas encomendas, e isso é apenas uma faceta do fenômeno aqui destacado.
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Sir Joshua Reynolds foi o pintor e retratista inglês mais famoso da época. Para Horace Walpole, Reynolds “resgatou a pintura de retratos da insipidez”. Mas havia quem abominasse a grande quantidade de retratos... O livro destaca as considerações críticas de um apreciador de arte após sua visita à exposição de 1769, na França:

                   “A multidão de retratos, senhor, que me impressiona por toda parte, força-me, a despeito de mim mesmo, a falar agora deste assunto e a tratar deste tema árido e monótono que tinha reservado para o final. Em vão o público há muito tempo reclama da multidão de burgueses que deve passar incessantemente em revista. (...) A facilidade do gênero, a sua utilidade e a vaidade de todas essas personagens mesquinhas estimulam nossos artistas principiantes. (...) Graças ao infeliz gosto do século, o Salon está se tornando uma mera galeria de retratos”.

Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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