sexta-feira, 6 de setembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – sentimentos ardentes, convulsões e lágrimas provocadas pela leitura do romance epistolar de Rousseau; ampliação do círculo dos “iguais costumeiros em geral” a partir de uma nova percepção psicológica; a base biológica cerebral comum nos leva à empatia; contribuições dos romances de Samuel Richardson

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_31.html antes de ler esta postagem:

Ainda sobre o romance epistolar “Júlia ou A nova Heloísa”, de Rousseau, o “Journal desSavantsadmiúa” publicou que o mesmo possui passagens cansativas e que, portanto, não podia ser elogiado em sua totalidade. Todavia o mesmo periódico destacou que apenas os que suportavam fortes emoções estavam aptos à leitura que “devasta a alma e provoca as mais amargas lágrimas”.
De fato, Rousseau recebeu muitas cartas de leitores (nobres, religiosos, militares e a gente comum) que confirmam as conclusões do “Journal desSavantsadmiúa” anteriormente expostas... Os registros desses leitores descreviam sentimentos ardentes, emoções e convulsões provocadas pelo “Júlia ou A nova Heloísa”...
De tal modo o livro aproximou-os dos sofrimentos da jovem Júlia que um deles admitiu ao autor que gritou e “uivou como animal” quando chegou à parte em que ela morre.
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A respeito da leitura dos romances epistolares do século XVIII, e mais especificamente da correspondência propiciada pelo romance de Rousseau, Lynn Hunt destaca comentário de um estudioso do século passado que sustenta que o público se envolvia com “paixão, delírio, espasmos e soluços”, muito mais do que pelo simples prazer de ler.
De 1761 até o final do século XVIII foram publicadas dez edições de “Júlia ou A nova Heloísa”. Neste mesmo período foram mais de cem edições em francês! Evidentemente isso é indicativo do interesse do público que, a partir do livro, passou a experimentar “uma nova forma de empatia”.
Hunt lembra que Rousseau contribuiu significativamente para a circulação do termo “direitos humanos”... Mas ressalta que não é disso que “Júlia ou A nova Heloísa” trata. Como podemos depreender, o romance envolve “paixão, amor e virtude”. Apesar disso, o livro proporcionou a empatia em relação a personagens para “além das fronteiras de classe, sexo e nação”.
É preciso destacar que esse tipo de sentimento só ocorria entre os que conviviam nos círculos mais restritos, como a família, os parentes ou os membros da paróquia. Esses eram os “iguais costumeiros em geral”. Assim, durante o período mencionado, a leitura dos romances epistolares propiciou a ampliação das fronteiras da empatia.
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Para termos uma ideia da limitada visão que se tinha sobre a quem se devotava empatia, a autora cita uma história contada por Alexis de Tocqueville. O escritor e pensador político ouvira do secretário de Voltaire que madame de Châtelet costumava se despir diante de seus criados sem o menor pudor porque simplesmente não levava em conta “que os camareiros fossem homens”, pois não era dessa forma que ela os via.
Mais uma vez devemos destacar a importância dos romances epistolares como o “Júlia” de Rousseau. Graças a eles, milhares de leitores tiveram condições de “se identificar com personagens comuns, que lhes eram por definição pessoalmente desconhecidos”. A narrativa bem elaborada levou as pessoas a nutrirem sentimentos pelas heroínas (e pelos heróis) das cartas. Chama a atenção o fato de os protagonistas serem de realidades sociais diversas... Júlia, por exemplo, era figura típica da “classe média”. Já a protagonista de “Pâmela”, romance de Samuel Richardson, era uma simples criada enganada pelo sr. B., o inescrupuloso patrão sedutor.
Os romances levavam os leitores a entenderem que todas as pessoas, independentemente de sua condição social, são semelhantes por conta dos sentimentos mais íntimos que nutrem. A autora destaca ainda que muitos dos livros evidenciavam o desejo das sofridas personagens por autonomia. Podemos dizer que os romances alteravam a “percepção psicológica” dos leitores. Eles passavam a experimentar e conhecer um senso interior de empatia pelos demais. O senso de igualdade tornou-se comum.
Lynn Hunt destaca que os livros de Richardson, “Pâmela” (1740) e “Clarissa” (1747/8); e o “Júlia” de Rousseau (1761) foram publicados antes do período que viu surgir o conceito dos “direitos do homem”.
Com isso não se quer afirmar que a empatia surgiu ou foi inventada durante o século XVIII... Esse sentimento é universal, já que é próprio da “biologia do cérebro”. Assim, há uma “base biológica” que nos permite “compreender a subjetividade” dos demais e que nos torna capazes de entender o quanto “suas experiências interiores são semelhantes às nossas”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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