quarta-feira, 25 de setembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – críticas dos protestantes ingleses, e em particular as de Vicesimus Knox, aos romances epistolares; fragmentos de “Lady’s Magazine” contrários ao “Pâmela”; o médico suíço Samuel-Auguste Tissot e suas considerações sobre os prejuízos da masturbação aos organismos excitados pelas leituras dos romances epistolares; das relações entre o aumento dos casos de ultrajes à moral e o crescimento das publicações de romances na Inglaterra da segunda metade do século XVIII

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_90.html antes de ler esta postagem:

Também os protestantes da Inglaterra redigiram críticas e fizeram discursos contra os romances epistolares... “A Invenção dos Direitos Humanos” destaca as palavras do reverendo Vicesimus Knox em fins da década de 1770... Para ele, os referidos livros desviavam os jovens das leituras mais sérias e edificantes. Aqueles romances que colocavam em destaque os desencantos de moças comuns transformadas em heroínas só podiam levar os leitores à degeneração e a “prazeres culpados”! O religioso salientava que os britânicos cumpriam o feio papel de “disseminar hábitos libertinos franceses” entre os jovens do Reino.
Especificamente sobre os livros de Richardson, Knox afirmava que eles haviam sido redigidos com “as intenções mais puras”, o problema é que determinadas cenas narradas certamente levavam os leitores à excitação de sentimentos que nada tinham de virtuosos.
Neste ponto o texto há uma citação de “Lady’s Magazine” de 1771 cujo conteúdo reforçava o desprezo pelo “Pâmela”, de Richardson:


“Pâmela, só de nome,
Mais não conheço;
Como romances odeio,
Minha mente é sem defeito”

(...)
Não foram poucos os que se colocaram contra os romances por entenderem que seu conteúdo tinha potencial para gerar descontentamentos entre criados e moças em geral.
Samuel-Auguste Tissot, médico suíço, levantou críticas ainda mais radicais. Ele entendia que aquele tipo de leitura podia levar as pessoas a se masturbarem, e isso podia provocar “degeneração física, mental e moral”.
Para o médico, os organismos tendem a se deteriorar naturalmente... Mas ele salientava que, tanto para homens quanto para as mulheres, a masturbação fazia com que esse processo avançasse descontroladamente.
O livro cita alguns fragmentos de Tissot nos quais são apontadas situações em que as pessoas corriam mais riscos de se entregarem à citada degeneração:

                   “Só o que posso dizer é que o ócio, a inatividade, ficar tempo demais na cama, uma cama que seja demasiado macia, uma dieta rica, picante, salgada e cheia de vinhos, amigos suspeitos e livros licenciosos são as causas mais propensas a gerar esses excessos”.

Lynn Hunt ressalta que “licenciosos” aí relaciona-se mais a “erótico”, e não necessariamente a “obsceno”. Ela lembra que os romances do século XVIII eram geralmente “histórias de amor” e, assim sendo, invariavelmente classificavam-nos como “licenciosos”.
As advertências a respeito da “leitura indevida” dos romances recaíam normalmente sobre as moças que viviam em internatos... Acreditava-se mesmo que elas eram as que mais corriam perigo, já que conseguiam os “livros imorais e repugnantes” e os liam em suas camas.
(...)
Do exposto até aqui, fica a ideia de que para os religiosos, e também para alguns médicos, a leitura dos romances epistolares levava à “perda de tempo, de fluidos vitais, de religião e de moralidade”. Muitos entendiam que as leitoras, principalmente as mais vulneráveis, estariam propensas a se deixarem levar pelo exemplo das heroínas... Imitariam suas ações e certamente se arrependeriam no futuro, quando já “seria tarde demais”.
No caso da leitura de “Clarissa”, por exemplo, os críticos acreditavam que as jovens poderiam ignorar os conselhos e desejos da família... Poderiam mesmo chegar à conclusão de que a personagem agira corretamente ao fugir com um devasso.
Ainda sobre as considerações anteriores, em 1792 um crítico inglês escreveu anonimamente que o aumento dos casos de prostituição, adultério e de “fugas” por todo o Reino podia estar relacionado à disseminação dos romances. Esse entendimento estava em consonância com a máxima de que “os romances estimulavam exageradamente o corpo, encorajavam uma absorção em si mesmo moralmente suspeita e provocavam ações destrutivas em relação à autoridade familiar, moral e religiosa”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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