Também os protestantes da Inglaterra redigiram críticas e fizeram discursos contra os romances epistolares... “A Invenção dos Direitos Humanos” destaca as palavras do reverendo Vicesimus Knox em fins da década de 1770... Para ele, os referidos livros desviavam os jovens das leituras mais sérias e edificantes. Aqueles romances que colocavam em destaque os desencantos de moças comuns transformadas em heroínas só podiam levar os leitores à degeneração e a “prazeres culpados”! O religioso salientava que os britânicos cumpriam o feio papel de “disseminar hábitos libertinos franceses” entre os jovens do Reino.
Especificamente sobre os livros de Richardson, Knox afirmava que eles haviam sido redigidos com “as intenções mais puras”, o problema é que determinadas cenas narradas certamente levavam os leitores à excitação de sentimentos que nada tinham de virtuosos.
Neste ponto o texto há uma citação de “Lady’s Magazine” de 1771 cujo conteúdo reforçava o desprezo pelo “Pâmela”, de Richardson:
“Pâmela, só de nome,
Mais não conheço;
Como romances odeio,
Minha mente é sem defeito”
(...)
Não foram poucos os que se colocaram
contra os romances por entenderem que seu conteúdo tinha potencial para gerar
descontentamentos entre criados e moças em geral.
Samuel-Auguste Tissot, médico suíço,
levantou críticas ainda mais radicais. Ele entendia que aquele tipo de leitura
podia levar as pessoas a se masturbarem, e isso podia provocar “degeneração
física, mental e moral”.
Para o médico, os organismos tendem a
se deteriorar naturalmente... Mas ele salientava que, tanto para homens quanto
para as mulheres, a masturbação fazia com que esse processo avançasse
descontroladamente.
O livro cita alguns fragmentos de
Tissot nos quais são apontadas situações em que as pessoas corriam mais riscos
de se entregarem à citada degeneração:
“Só
o que posso dizer é que o ócio, a inatividade, ficar tempo demais na cama, uma
cama que seja demasiado macia, uma dieta rica, picante, salgada e cheia de
vinhos, amigos suspeitos e livros licenciosos são as causas mais propensas a
gerar esses excessos”.
Lynn Hunt ressalta que “licenciosos”
aí relaciona-se mais a “erótico”, e não necessariamente a “obsceno”. Ela lembra
que os romances do século XVIII eram geralmente “histórias de amor” e, assim
sendo, invariavelmente classificavam-nos como “licenciosos”.
As advertências a respeito da “leitura indevida” dos
romances recaíam normalmente sobre as moças que viviam em internatos...
Acreditava-se mesmo que elas eram as que mais corriam perigo, já que conseguiam
os “livros imorais e repugnantes” e os liam em suas camas.
(...)
Do exposto até aqui, fica a ideia de que para os
religiosos, e também para alguns médicos, a leitura dos romances epistolares levava
à “perda de tempo, de fluidos vitais, de religião e de moralidade”. Muitos
entendiam que as leitoras, principalmente as mais vulneráveis, estariam
propensas a se deixarem levar pelo exemplo das heroínas... Imitariam suas ações
e certamente se arrependeriam no futuro, quando já “seria tarde demais”.
No caso da leitura de “Clarissa”, por exemplo, os críticos
acreditavam que as jovens poderiam ignorar os conselhos e desejos da família...
Poderiam mesmo chegar à conclusão de que a personagem agira corretamente ao
fugir com um devasso.
Ainda sobre as considerações anteriores, em 1792 um
crítico inglês escreveu anonimamente que o aumento dos casos de prostituição,
adultério e de “fugas” por todo o Reino podia estar relacionado à disseminação
dos romances. Esse entendimento estava em consonância com a máxima de que “os
romances estimulavam exageradamente o corpo, encorajavam uma absorção em si
mesmo moralmente suspeita e provocavam ações destrutivas em relação à
autoridade familiar, moral e religiosa”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_27.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto