domingo, 22 de setembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – romances epistolares, identificação e sensação de intimidade em relação às protagonistas; reações à publicação de “Pâmela”; fragmento em que se lê sobre a angústia da criada em carta à mãe; impressões de Aaron Hill ao amigo Richardson

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_13.html antes de ler esta postagem:

A autora destaca três romances epistolares do século XVIII em seu “A Invenção dos Direitos Humanos”. Além, de “Júlia” de Rousseau, outros dois livros de Samuel Richardson, “Pâmela” (1740) e “Clarissa” (1747-1748) influenciaram os leitores e os levaram a empatias até então jamais imaginadas. A escolha deveu-se principalmente ao fato terem provocado “impacto cultural” ao colocarem (fragilizadas) heroínas no centro dos enredos... Evidentemente essas obras sozinhas não provocaram as alterações psicológicas anteriormente citadas, mas possibilitaram o “aprendizado da empatia em ação”.
Há que se destacar que a partir do romance epistolar o leitor tem a sensação de que não há intermediários entre ele e os autores das cartas. Tanto Rousseau quanto Richardson se colocavam como “editores” que simplesmente pareciam não ter qualquer contribuição autoral nas missivas.
O gênero literário aproximou os leitores das personagens. Para eles, as protagonistas eram reais, com elas se identificavam e sofriam. Essa experiência foi enaltecida por uns e vista por outros com muita preocupação e repulsa.
Um clérigo francês escreveu uma carta de quarenta e duas páginas destacando a excelente repercussão provocada pela tradução do “Pâmela” para a sua língua. Embora admitisse que o livro possuísse alguns “defeitos”, confessou que o “devorara” (essa metáfora usualmente aplicada às obras literárias surgiu por essa época). O empolgado leitor faz referência às passagens em que Pâmela resiste ao assédio de seu patrão, o sr. B., como se se tratasse de pessoas reais. Assim, os trechos em que a moça corre perigo provocam-lhe profunda tristeza... E se sente indignado ao constatar que um aristocrata (o sr. B.) se revela cruel e instintivamente selvagem.
(...)
A leitura levava as pessoas à sensação de que as personagens possuíam um “eu interior” com o qual dificilmente alguém poderia não se identificar.
A autora cita uma das cartas de Pâmela à mãe, a respeito de seu padecimento junto ao descarado patrão... Sua frágil posição sensibiliza a todos ao mesmo tempo em que gera repulsa ao comportamento do sr. B.:

                   “Ele me beijou duas ou três vezes, com uma avidez assustadora. – Por fim, arranquei-me de seus braços, e estava saindo do pavilhão, mas ele me reteve e fechou a porta. Eu teria dado a minha vida por um vintém. E ele disse, não vou lhe fazer mal, Pâmela, não tenha medo de mim. Eu disse, não vou ficar. Não vai, garota! Disse ele: Você sabe com quem está falando? Perdi todo o medo, e todo o respeito, e disse: Sim, sei, senhor, até demais! – bem que posso esquecer que sou sua criada, quando o senhor esquece o que é próprio de um patrão. Solucei e chorei com muita tristeza. Que garota tola você é, disse ele: Eu lhe fiz algum mal? – Sim, senhor, disse eu, o maior mal do mundo: o senhor me ensinou a esquecer quem eu sou e o que me é próprio; e diminuiu a distância que o destino criou entre nós, rebaixando-se para tomar liberdades com uma pobre criada.”

Lemos a citada carta e experimentamos a sensação de angústia da mãe da pobre garota, que se sentia ameaçada em sua integridade. As cartas têm esse efeito intimista e de continuidade... Bem diferente das dramatizações... Páginas mais adiante ela tratará das ideias de suicídio depois de ver fracassados seus planos de fuga. Quanto mais avança na leitura, mais o leitor se sente identificado pela Pâmela... E mesmo os que evitam maiores aproximações não conseguem deixar de sentir empatia por ela.
(...)
Aaron Hill, amigo de Richardson, escreveu-lhe tecendo elogios ao “Pâmela”: o livro era “a alma da religião, boa educação, discrição, bom caráter, espirituosidade, fantasia, belos pensamentos e moralidade”.
O autor havia enviado um exemplar às filhas do amigo que, em resposta de agradecimento, deixou claro que se tornara leitor fiel, gostava de ler o livro para outras pessoas e de ouvir delas a leitura. Só tinha elogios para a obra à qual dedicava agradáveis horas da noite.
O livro “enfeitiçava” os leitores, como o próprio Hill admitiu.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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