Ao se assumirem como editores, em vez de autores, Richardson e Rousseau atribuíam o conteúdo das polêmicas cartas que constavam em seus romances às heroínas protagonistas. De certo modo isso tinha o efeito de mantê-los mais distantes das críticas e reputação duvidosa que atribuíam aos livros.
Richardson não se referia ao “Pâmela” como um romance. Como se antecipasse às críticas e a todo tipo de repercussão negativa, cravou no título da obra (em sua primeira edição) uma extensa descrição tal como segue e foi registrada em “A Invenção dos Direitos Humanos”:
“Pâmela: Ou a virtude recompensada. Numa série de cartas familiares de uma bela donzela a seus pais; agora publicadas pela primeira vez para cultivar os princípios da virtude e religião nas mentes jovens de ambos os sexos. Uma narrativa que tem o seu fundamento na verdade e na natureza; e ao mesmo tempo em que agradavelmente entretém, por uma variedade de incidentes curiosos e patéticos, é inteiramente despida de todas aquelas imagens que, em muitas obras calculadas apenas para a diversão, tendem a inflamar as mentes que deveriam instruir”.
Também no prefácio, o “editor das cartas” apresentou suas justificativas ressaltando o caráter moral... Garantiu que as missivas instruiriam e aperfeiçoariam as mentes dos mais jovens, além disso, religião e moralidade seriam inculcadas em suas consciências ao mesmo tempo em que, nelas, os vícios seriam reconhecidos “em suas cores apropriadas”.
(...)

Logo
no início do prefácio, o autor iluminista polemiza com a frase “As grandes
cidades devem ter teatros; e os povos corruptos, Romances”. Na sequência, Rousseau
apresenta um diálogo sobre “Romances” entre um “Editor” e um “Homem de Letras”.
No trecho há considerações de certo “R” (que ao que tudo indica só pode ser o
próprio Rousseau) sobre as acusações que imputam aos romances de um modo
geral... Sobretudo aquelas que atribuem ao gênero literário o jogo perigoso de “brincar
com a imaginação para criar desejos que os leitores não podem satisfazer
virtuosamente”.
O
livro cita um fragmento do referido prefácio que ilustra bem o anteriormente
citado:
“Escutamos que os
Romances perturbam as mentes das pessoas; posso muito bem acreditar. Ao dispor
interminavelmente diante dos olhos dos leitores os pretensos encantos de um
estado que não é o deles, eles o seduzem, levam-nos a ver o seu próprio estado
com desprezo e trocam-no na imaginação por um estado que os leitores são
induzidos a amar. Tentando ser o que não somos, passamos a acreditar que somos
diferentes do que somos, e esse é o caminho para a loucura”.
Como vimos, apesar da observação polêmica, Rousseau anunciou
o seu livro como um romance... Para muitos isso seria uma indicação de
provocação... Tanto é que ele mesmo admitiu que suas ideias escandalizariam os
críticos. A esse respeito, garantia que eles até poderiam criticá-lo por
escrito, mas deviam fazer isso a outras pessoas, e não diretamente a ele, porque
jamais teria qualquer estima por alguém que discordasse das considerações
reveladas no prefácio de “Júlia”...
Isso à parte, podemos concluir que Rousseau esperava “reações
violentas” de seus leitores.
(...)
Apesar das evidentes preocupações dos autores (talvez
seria melhor dizer “editores das cartas”) com a própria reputação após o
lançamento dos romances, vimos que alguns críticos vinham se posicionando
favoravelmente... Sarah Fielding e Von Haller fizeram isso em relação ao “Clarissa”
de Richardson. E admitiram mesmo que o livro propiciava aos leitores uma
compreensão melhor dos seus semelhantes.
Na próxima postagem conheceremos um pouco das ideias de
Diderot sobre a escrita de Richardson.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_28.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto