sexta-feira, 27 de setembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – “editores” da publicação das cartas em vez de autores; longo título, trecho do prefácio da primeira edição de “Pâmela” e garantia de boa instrução às mentes jovens; Rousseau admite que seu livro se trata de um romance e polemiza logo na introdução

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_25.html antes de ler esta postagem:

Ao se assumirem como editores, em vez de autores, Richardson e Rousseau atribuíam o conteúdo das polêmicas cartas que constavam em seus romances às heroínas protagonistas. De certo modo isso tinha o efeito de mantê-los mais distantes das críticas e reputação duvidosa que atribuíam aos livros.
Richardson não se referia ao “Pâmela” como um romance. Como se antecipasse às críticas e a todo tipo de repercussão negativa, cravou no título da obra (em sua primeira edição) uma extensa descrição tal como segue e foi registrada em “A Invenção dos Direitos Humanos”:

                   “Pâmela: Ou a virtude recompensada. Numa série de cartas familiares de uma bela donzela a seus pais; agora publicadas pela primeira vez para cultivar os princípios da virtude e religião nas mentes jovens de ambos os sexos. Uma narrativa que tem o seu fundamento na verdade e na natureza; e ao mesmo tempo em que agradavelmente entretém, por uma variedade de incidentes curiosos e patéticos, é inteiramente despida de todas aquelas imagens que, em muitas obras calculadas apenas para a diversão, tendem a inflamar as mentes que deveriam instruir”.

Também no prefácio, o “editor das cartas” apresentou suas justificativas ressaltando o caráter moral... Garantiu que as missivas instruiriam e aperfeiçoariam as mentes dos mais jovens, além disso, religião e moralidade seriam inculcadas em suas consciências ao mesmo tempo em que, nelas, os vícios seriam reconhecidos “em suas cores apropriadas”.
(...)
Apesar de também se apresentar como “editor da publicação das cartas” de seu “Júlia”, diferentemente de Richardson, Rousseau classificava o seu livro como romance.
Logo no início do prefácio, o autor iluminista polemiza com a frase “As grandes cidades devem ter teatros; e os povos corruptos, Romances”. Na sequência, Rousseau apresenta um diálogo sobre “Romances” entre um “Editor” e um “Homem de Letras”. No trecho há considerações de certo “R” (que ao que tudo indica só pode ser o próprio Rousseau) sobre as acusações que imputam aos romances de um modo geral... Sobretudo aquelas que atribuem ao gênero literário o jogo perigoso de “brincar com a imaginação para criar desejos que os leitores não podem satisfazer virtuosamente”.
O livro cita um fragmento do referido prefácio que ilustra bem o anteriormente citado:

                   “Escutamos que os Romances perturbam as mentes das pessoas; posso muito bem acreditar. Ao dispor interminavelmente diante dos olhos dos leitores os pretensos encantos de um estado que não é o deles, eles o seduzem, levam-nos a ver o seu próprio estado com desprezo e trocam-no na imaginação por um estado que os leitores são induzidos a amar. Tentando ser o que não somos, passamos a acreditar que somos diferentes do que somos, e esse é o caminho para a loucura”.

Como vimos, apesar da observação polêmica, Rousseau anunciou o seu livro como um romance... Para muitos isso seria uma indicação de provocação... Tanto é que ele mesmo admitiu que suas ideias escandalizariam os críticos. A esse respeito, garantia que eles até poderiam criticá-lo por escrito, mas deviam fazer isso a outras pessoas, e não diretamente a ele, porque jamais teria qualquer estima por alguém que discordasse das considerações reveladas no prefácio de “Júlia”...
Isso à parte, podemos concluir que Rousseau esperava “reações violentas” de seus leitores.
(...)
Apesar das evidentes preocupações dos autores (talvez seria melhor dizer “editores das cartas”) com a própria reputação após o lançamento dos romances, vimos que alguns críticos vinham se posicionando favoravelmente... Sarah Fielding e Von Haller fizeram isso em relação ao “Clarissa” de Richardson. E admitiram mesmo que o livro propiciava aos leitores uma compreensão melhor dos seus semelhantes.
Na próxima postagem conheceremos um pouco das ideias de Diderot sobre a escrita de Richardson.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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