Ainda sobre “Clarissa” e o escritor Richardson, “A Invenção dos Direitos Humanos” destaca as considerações de Albrecht Von Haller, fisiologista e intelectual dedicado à análise das obras literárias... Em 1749, Von Haller publicou anonimamente um texto altamente positivo sobre “Clarissa” no periódico “Gentleman's Magazine”.
O estudioso destacou que os romances franceses tinham seus méritos, mas após a publicação de “Clarissa”, podia garantir que aqueles resumiam-se a representar “ilustres ações de pessoas ilustres”... O mérito de Richardson estava no fato de apresentar aos leitores personagens cuja “posição de vida” era a mesma da maior parte do público.
Von Haller admitia que muito provavelmente os leitores vissem com desconfiança o esquema textual baseado em cartas e talvez questionassem o fato de os personagens dedicarem tanto tempo “registrando os seus sentimentos e pensamentos íntimos”... Mas para ele, era exatamente nisso que se concentrava a possibilidade de se transmitir a compaixão. De acordo com suas próprias palavras:
“O patético nunca foi exposto com igual força, e é manifesto em milhares de exemplos que os temperamentos mais empedernidos e insensíveis têm sido suavizados até a compaixão, derretendo-se em lágrimas pela morte, pelos sofrimentos e pelas tristezas de Clarissa” (...) “Não conhecemos nenhuma representação, em nenhuma língua, que chegue perto de poder competir com esse romance”.
(...)
Os
romances epistolares citados até aqui não exerceram apenas o efeito da empatia,
a compaixão ou a consideração acerca da condição humana dos demais... Além de
provocar a reflexão, exerceram efeitos também sobre os corpos dos leitores.
Os clérigos, tanto católico quanto protestante,
posicionaram-se contra “o potencial de obscenidade, sedução e degradação moral”
que detectavam nas páginas dos referidos textos. Voz dissonante era a de
Nicolas Lenglet-Dufresnoy, clérigo com formação na Sorbonne que produziu material
em defesa dos romances... É bem verdade que o fez a partir de um pseudônimo.
Os argumentos de Dufresnoy eram contrários às objeções
anunciadas pelas autoridades religiosas... Para ele, seus pares viam os
romances apenas “como estímulos que servem para inspirar em nós sentimentos que
são demasiado vivos e demasiado acentuados”... Em sua opinião, os conteúdos
eram perfeitamente apropriados e destacava que:
“Em todos os tempos a
credulidade, o amor e as mulheres têm reinado: assim, em todos os tempos os
romances têm sido lidos com atenção e saboreados”...
Assim, em vez de refutá-los, seria mais proveitoso “torná-los
bons”.
(...)
Como
já se apontou anteriormente, a segunda metade do século XVIII foi marcada por quantidades
ainda maiores de lançamentos e edições... Evidentemente isso acirrou ainda mais
os ânimos dos que se opunham aos romances epistolares.
Em 1755, o abade Armand-Pierre Jacquin dedicou-se a atacá-los
num livro de quatrocentas páginas. De modo simplificado, podemos dizer que,
para ele, os romances eram perniciosos, pois ofendiam a moral, a religião e a ordem
social.
Lynn Hunt destaca alguns fragmentos de Jacquin que
evidenciam o anteriormente exposto... Para ele, bastava o leitor abrir as obras
para reconhecer que as produções textuais violavam “todos os direitos da
justiça divina e humana”, além de desdenharem da autoridade dos pais sobre os
filhos... Por fim, o abade argumentava que os romances ameaçavam “os laços
sagrados do casamento e da amizade”.
Armand-Pierre
Jacquin insistia que os livros valorizavam “as seduções do amor”, e isso
levaria os leitores a adotarem práticas instintivas... Seus piores impulsos
seriam ativados e dessa forma os conselhos paternos e os dos religiosos seriam
ignorados.
Sua esperança concentrava-se na expectativa de que os
conteúdos vulgares como o encontrado em “Pâmela” logo seriam esquecidos pelo
público.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_25.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto