Em “Elements of Criticism”, de 1762, Henry Home (Lorde Kames) dispensa um tratamento filosófico às ditas leituras de ficção. O escocês, que era jurista e filósofo, dizia que a leitura dos romances criava o que ele chamava de “presença ideal” ou “sonho acordado” do leitor que, ao se aprofundar no texto, se sentia “transportado para as cenas descritas”.
Para Kames, a experiência era similar a um transe no qual o sujeito se via “lançado numa espécie de devaneio”, “perdendo a consciência do eu e da leitura, sua presente ocupação”, concebendo “todo incidente como se ocorresse na sua presença, precisamente como se ele fosse uma testemunha ocular”.
Vale destacar que também para este pensador, esse fato era imensamente positivo na medida em que promovia a moralidade, pois a dita “presença ideal” abria o leitor à reflexão sobre os sentimentos de identidade que envolvem a sociedade. Cada um que passasse pelo exercício da leitura intensa dos romances se enxergaria como que “arrancado de seus interesses privados” e, dessa forma, motivado a praticar “atos de generosidade e benevolência”. Essa “presença ideal” pode ser relacionada à ideia de “feitiço da paixão e do significado” aludida por Aaron Hill.
(...)
Ao que tudo indica, Thomas Jefferson tinha opinião
muito parecida...
“A
Invenção dos Direitos Humanos” faz referência a um episódio em que Robert
Skipwith (que se casara com a meia-irmã de Jefferson) lhe solicita uma lista de
livros que ele não podia deixar de ler e que não podiam faltar em suas prateleiras...
Corria o ano de 1771... Jefferson escreveu uma carta a
Skipwith e ao mesmo tempo elaborou a lista com vários títulos clássicos (da
política, religião, ciência, filosofia e história) antigos e modernos.
Poesia,
dramaturgia e romances constavam da lista. Autores como “Laurence Sterne, Henry
Fielding, Jean-Fronçois Marmontel, Oliver Goldsmith, Rchardson e Rousseau”
foram citados. Na sequência aparece o livro de Kames, “Elements of Criticism”.
Em
sua missiva, Jefferson justificava “as diversões da ficção” com os mesmos
argumentos de Kames, ou seja, a leitura dos romances permitiria “gravar na
memória tanto os princípios como a prática da virtude”. Ele fez referência à
própria experiência e garantiu que a leitura de textos de Shakespeare,
Marmontel e Henry Home podia nos levar ao “forte desejo de praticar atos
caridosos e gratos”. Insistiu ainda que as más ações ou condutas imorais que
aparecem nas ficções nos levam à repugnância.
(...)
Neste ponto, Lynn Hunt esclarece que a discussão em torno
das opiniões sobre os romances evidenciava “a valorização da vida secular comum
como o fundamento da moralidade”.
Como vimos, os que defendiam os romances entendiam que eles
podiam contribuir para que os indivíduos se tornassem melhores em sua “natureza
interior” e, dessa forma, colaborariam para a organização de “uma sociedade
mais moral”. Já os que criticavam (especificamente os romances epistolares),
insistiam que a simpatia que os textos promoviam às “heroínas” só podia
estimular “o que havia de pior” nas pessoas: “desejos ilícitos e autorrespeito
excessivo”, o que resultava em “degeneração do mundo secular”.
Os defensores dos romances entendiam que a ”natureza
interior” dos que formam a sociedade constituída é ponto de partida e “base
para a autoridade social e política”. Nesse sentido, podemos dizer que, para
eles, Richardson e Rousseau forneciam elementos essenciais para um cotidiano
calcado na valorização do próximo... Mais ou menos como sugerem as religiões.
Como vimos no início dessas postagens, os “novos sentimentos”
possibilitaram o amadurecimento das proposições em torno de “direitos humanos”,
pois as pessoas passaram a entender as demais “como seus iguais” e “semelhantes
em algum modo fundamental”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_30.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto