sábado, 28 de setembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – Henry Home e suas considerações positivas sobre os romances epistolares em “Elements of Criticism”; do transe provocado pela leitura e do entendimento que o mesmo nos leva a adotar uma boa conduta moral; Jefferson indica a leitura do texto de Home; disputa em torno dos fundamentos da vida secular; os novos sentimentos provocados pela leitura de ficções epistolares amadureceram as proposições em torno dos “direitos humanos”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_28.html antes de ler esta postagem:

Em “Elements of Criticism”, de 1762, Henry Home (Lorde Kames) dispensa um tratamento filosófico às ditas leituras de ficção. O escocês, que era jurista e filósofo, dizia que a leitura dos romances criava o que ele chamava de “presença ideal” ou “sonho acordado” do leitor que, ao se aprofundar no texto, se sentia “transportado para as cenas descritas”.
Para Kames, a experiência era similar a um transe no qual o sujeito se via “lançado numa espécie de devaneio”, “perdendo a consciência do eu e da leitura, sua presente ocupação”, concebendo “todo incidente como se ocorresse na sua presença, precisamente como se ele fosse uma testemunha ocular”.
Vale destacar que também para este pensador, esse fato era imensamente positivo na medida em que promovia a moralidade, pois a dita “presença ideal” abria o leitor à reflexão sobre os sentimentos de identidade que envolvem a sociedade. Cada um que passasse pelo exercício da leitura intensa dos romances se enxergaria como que “arrancado de seus interesses privados” e, dessa forma, motivado a praticar “atos de generosidade e benevolência”. Essa “presença ideal” pode ser relacionada à ideia de “feitiço da paixão e do significado” aludida por Aaron Hill.
(...)
Ao que tudo indica, Thomas Jefferson tinha opinião muito parecida...
“A Invenção dos Direitos Humanos” faz referência a um episódio em que Robert Skipwith (que se casara com a meia-irmã de Jefferson) lhe solicita uma lista de livros que ele não podia deixar de ler e que não podiam faltar em suas prateleiras...
Corria o ano de 1771... Jefferson escreveu uma carta a Skipwith e ao mesmo tempo elaborou a lista com vários títulos clássicos (da política, religião, ciência, filosofia e história) antigos e modernos.
Poesia, dramaturgia e romances constavam da lista. Autores como “Laurence Sterne, Henry Fielding, Jean-Fronçois Marmontel, Oliver Goldsmith, Rchardson e Rousseau” foram citados. Na sequência aparece o livro de Kames, “Elements of Criticism”.
Em sua missiva, Jefferson justificava “as diversões da ficção” com os mesmos argumentos de Kames, ou seja, a leitura dos romances permitiria “gravar na memória tanto os princípios como a prática da virtude”. Ele fez referência à própria experiência e garantiu que a leitura de textos de Shakespeare, Marmontel e Henry Home podia nos levar ao “forte desejo de praticar atos caridosos e gratos”. Insistiu ainda que as más ações ou condutas imorais que aparecem nas ficções nos levam à repugnância.
(...)
Neste ponto, Lynn Hunt esclarece que a discussão em torno das opiniões sobre os romances evidenciava “a valorização da vida secular comum como o fundamento da moralidade”.
Como vimos, os que defendiam os romances entendiam que eles podiam contribuir para que os indivíduos se tornassem melhores em sua “natureza interior” e, dessa forma, colaborariam para a organização de “uma sociedade mais moral”. Já os que criticavam (especificamente os romances epistolares), insistiam que a simpatia que os textos promoviam às “heroínas” só podia estimular “o que havia de pior” nas pessoas: “desejos ilícitos e autorrespeito excessivo”, o que resultava em “degeneração do mundo secular”.
Os defensores dos romances entendiam que a ”natureza interior” dos que formam a sociedade constituída é ponto de partida e “base para a autoridade social e política”. Nesse sentido, podemos dizer que, para eles, Richardson e Rousseau forneciam elementos essenciais para um cotidiano calcado na valorização do próximo... Mais ou menos como sugerem as religiões.
Como vimos no início dessas postagens, os “novos sentimentos” possibilitaram o amadurecimento das proposições em torno de “direitos humanos”, pois as pessoas passaram a entender as demais “como seus iguais” e “semelhantes em algum modo fundamental”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas