sábado, 28 de setembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – Diderot e sua apologia a Richardson e aos seus livros; fragmentos diversos; o leitor, sua “inserção” na obra, identificação e empatia; uma “conscientização para o bem”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_27.html antes de ler esta postagem:

Diderot, que também escrevia romances além de ser conhecido por redigir o texto sobre “Direito Natural” para a “Enciclopedia”, foi um dos grandes defensores da obra de Richardson.
No ano da morte do escritor inglês, 1761, Diderot redigiu e manifestou uma apologia na qual comparava Richardson a espetaculares autores da antiguidade (Moisés, Eurípedes e Sófocles). Especificamente sobre o quanto o texto de Richardson introduzia o leitor no enredo e o levava a adotar juízos, Diderot destacou que:

                   “Apesar de todas as precauções, assume-se um papel nas suas obras, somos lançados nas conversas, aprovamos, censuramos, admiramos, ficamos irritados, sentimos indignação.”

Na sequência, o filósofo e escritor francês confessa que ele mesmo não conseguia se conter ao ler os episódios e por isso reagia como se estivesse vivendo aquele mundo de tensões criado pelo autor: “Quantas vezes não me surpreendi gritando, como acontece com as crianças que foram levadas ao teatro pela primeira vez: ‘Não acredite, ele está enganando você. (...) Se você for lá, estará perdido’”.
Como que a justificar as próprias reações à escrita de Richardson, Diderot admitia que: “Os seus personagens são tirados da sociedade comum (...) as paixões que ele pinta são as que sinto em mim mesmo”.
(...)
Alguém aí poderia dizer que Diderot não se referia diretamente à “identificação” ou à “empatia”... E está correto, pois ele não usa tais termos. Todavia suas palavras definem perfeitamente os dois conceitos...
Isso se evidencia na medida em que ele admite que todo leitor se reconhece nos personagens ao mesmo tempo em que sente e percebe os seus mesmos sentimentos (naqueles descritos pelo autor). Isso é a empatia por alguém que, nesse caso, por motivos óbvios, jamais terá qualquer contato físico conosco! E há que se ressaltar que o leitor passa a se enxergar no próprio personagem, pois com ele se identifica.
E não é essa mesma a manifestação que vimos em (https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_23.html) quando Panckoucke confessou a Rousseau que sentia passar pelo próprio coração “a pureza das emoções de Júlia”?
A identificação leva os leitores à empatia... Outras passagens do texto-manifesto de Diderot ainda mais evidenciam isso:

                   “No espaço de algumas horas, passei por grande número de situações que a mais longa das vidas não pode nos oferecer ao longo de sua total duração. (...) Senti que tinha adquirido experiência” (...) “Tive a mesma sensação que experimentam os homens que, intimamente entrelaçados, viveram juntos por um longo tempo e agora estão a ponto de se separar. No final tive de repente a impressão de que haviam me deixado sozinho”.

Podemos dizer que enquanto esteve envolvido com a leitura, Diderot sentiu-se diante do “próprio eu”. Terminada a leitura, sente-se como que “abandonado” ou “solitário”... Mas essa experiência certamente contribui para a percepção da individualidade dos demais. Sem dúvida, esse “sentimento interior” foi condição fundamental para a reflexão em torno dos “direitos humanos”.
Ainda a respeito dos argumentos de Diderot em defesa de Richardson e do gênero literário ao qual se dedicou, precisamos destacar o quanto o francês valorizou a contribuição do romance na “conscientização para o bem”:

                   “Nós nos sentimos atraídos para o bem com uma impetuosidade que não reconhecemos. Quando confrontados com a injustiça, experimentamos uma aversão que não sabemos explicar para nós mesmos”.

Obviamente o romance de Richardson não era nenhum “tratado de moral”, mas, indiretamente, pelo modo como conseguia envolver os leitores na narrativa, exercia o efeito evidenciado anteriormente por Diderot.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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