Engana-se quem pensa que apenas as mulheres se identificavam com as protagonistas dos livros de Rousseau e Richardson... Cartas endereçadas a Rousseau indicam que até militares se sensibilizavam e nutriam empatia por Júlia. Louis François, oficial das armas aposentado, escreveu a ele manifestando que seu livro o deixara “louco pela Júlia”, e acrescentou que a morte da heroína havia lhe arrancado lágrimas, as “lágrimas mais deliciosas” e que: “essa leitura teve um efeito tão poderoso (...) que acredito que teria morrido de bom grado durante aquele supremo momento”.
Os homens que liam os romances epistolares do século XVIII se identificavam psicologicamente com as protagonistas... Charles-Louis-Fleury Panckoucke admitiu ao mesmo Rousseau que sentira no próprio coração “a pureza das emoções de Júlia”. Ainda em relação a essa obra, vale ressaltar que o público masculino não se identificava com os personagens representativos do gênero socialmente dominante (os homens), assim, Saint-Preux (o amante a que Júlia renuncia), Wolmar (o esposo) e o barão D’Étanges (pai da heroína) são rejeitados pelos leitores, que se sentem mais afeitos à frágil Júlia em sua luta por uma existência de mais virtudes.
(...)
Não há dúvida de que as cartas dos romances possibilitaram
um entendimento mais apurado acerca da interioridade das personagens... Os leitores
reconheciam a individualidade daqueles seres humanos e se tornavam sensíveis em
relação aos seus sofrimentos. Todavia cabe acrescentar que, a título de exemplo,
o fato de a Pâmela de Richardson escrever cartas nas quais expõe seus
sentimentos mais íntimos a torna “modelo de individualidade e autonomia
orgulhosa”.
Então, ao se reconhecer nas personagens dos romances,
o público leitor tomava consciência da própria capacidade e se conscientizava de
que os demais indivíduos possuem a mesma autonomia.
(...)
Mais
de uma vez se afirmou que os romances epistolares não provocaram as mesmas
reações elogiosas em todos os que se dispuseram a analisá-los... O conde
escritor Horace Walpole, por exemplo, teceu críticas aos escritos de Richardson
ao afirmar que não passavam de “lamentações tediosas”, “quadros da vida elevada
como seriam concebidos por um livreiro, e romances como seriam espiritualizados
por um professor metodista”...
Um dos grandes rivais de Richardson foi Henry Fielding,
que escreveu “Uma apologia à vida da sra. Shamela Andrews, na qual as muitas
falsidades e deturpações de um livro chamado ‘Pâmela’ são desmascaradas e
refutadas”, um dos primeiros artigos de agressividade satírica contra o consagrado
romance epistolar.
Ao
contrário de Henry, sua irmã, a também escritora Sarah Fielding, tornou-se
amiga de Samuel Richardson e publicou anonimamente um panfleto de mais de
cinquenta páginas em defesa de sua obra... Dando voz a personagens fictícios,
ela sentencia que o método utilizado (as cartas epistolares) levava os leitores
a um conhecimento mais íntimo e familiar da Clarissa, como se a reconhecessem
desde a infância...
Em
outro trecho do panfleto de Sarah Fielding, lê-se as considerações da também
fictícia srta. Gibson que (como se estivesse dirigindo ao próprio autor)
admite:
“Muito
verdadeiro, senhor, é o seu comentário de que uma história contada dessa
maneira só pode se desenrolar lentamente, de que os personagens só podem ser
vistos por aqueles que prestam uma atenção precisa ao conjunto; entretanto, o
autor ganha uma vantagem escrevendo no tempo presente, como ele próprio o
chama, e na primeira pessoa: o fato de que as suas pinceladas penetram imediatamente
no coração, e sentimos todas as desgraças que ele pinta; não só choramos por,
mas com Clarissa, e a acompanhamos passo a passo, por todas as suas desgraças”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/09/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_90.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto