sexta-feira, 16 de agosto de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – demorou até que o conceito de “direitos do homem” passasse a se relacionar à temática política; fragmentos do clérigo católico francês Nicolas Lenglet-Dusfresnoy; filósofos iluministas e a propagação de termos vinculados a “direitos do homem”; fragmentos de revista clandestina francesa de 1763 acerca de peça sobre os incas do Peru e alusões a conceitos disseminados pelos iluministas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_16.html antes de ler esta postagem:

O fragmento de Thomas Jefferson reproduzido no final da última postagem dá a entender que o autor considerava que o tráfico de escravos para os Estados Unidos desrespeitava os direitos humanos dos africanos ao mesmo tempo que manchava a reputação dos cidadãos norte-americanos. O conteúdo limita-se à passividade, e tanto é assim que a partir dele não se conclui nada a respeito do “direito de rebelião dos escravos negros no país”, sendo assim, aos afro-americanos não era atribuída nenhuma iniciativa “em seu próprio nome” (nem se esperava que assim procedessem).
(...)
Os textos em inglês e em francês não levavam em consideração o “emprego político” dos termos “direitos humanos, direitos do gênero humano e direitos da humanidade”. Antes disso, os referidos termos serviam para distinguir numa escala bem definida o que se relacionava a “humano” daquilo que era próprio do “divino” e de tudo o mais relacionado aos “animais” domesticados ou selvagens. Aos direitos de liberdade não se cogitavam, por exemplo, a de expressão ou de participação efetiva na política.
A título de ilustração, o livro cita um trecho da consideração de 1734 do clérigo católico francês, Nicolas Lenglet-Dusfresnoy, em que se referia de modo crítico/ satírico ao cotidiano dos monges do século VI:

                   “Aqueles monges inimitáveis do século VI, que renunciavam tão inteiramente a ‘todos os direitos de humanidade’, que pastavam como animais e andavam por toda parte completamente nus”.

(...)
Também Voltaire, em 1756, dizia que entre os persas gozava-se dos “direitos de humanidade” porque em seu país havia maiores “recursos contra o tédio”. O filósofo usou o conceito “direito humano” em seu “Tratado sobre a Tolerância”, de 1763, todavia o entendimento que se tinha de “direito humano” era algo parecido com “direito natural” e não se difundiu de um momento para outro como podemos imaginar.
Na França, a década de 1760 foi de inovações em relação aos nomes que se davam aos direitos a que os homens podiam aspirar... Já os autores ingleses continuaram a usar a expressão “direitos naturais” (ou apenas “direitos”) por um bom tempo... Entre os franceses tornou-se comum falar de “direitos do homem” para diferenciar um estatuto bem definido do “direito natural” (ou “lei natural”), que contava numerosos “possíveis significados” e muitas vezes era utilizado “para fazer sentido dentro da ordem tradicional”.
Neste ponto é citada uma frase de Jacques Bossuet, bispo católico francês defensor do absolutismo monárquico, em que, ao descrever a entrada de Jesus no céu, afirma que “Ele entrou no céu pelo seu próprio direito natural”.
(...)
Depois da publicação de “O Contrato Social”, 1762, de Jean Jacques Rousseau, o termo francês “droits de l’homme” (direitos do homem) tornou-se comum mesmo que o autor não lhe atribuísse definição específica. O mesmo texto faz referências a “direitos da humanidade”, “direitos do cidadão” e “direitos da soberania”.
No ano seguinte à publicação de “O Contrato Social”, “direitos do homem” circulou por várias publicações como se se tratasse de conceito reconhecido por vasto leque de leitores. O livro cita fragmento de uma “revista clandestina” de 1763 em que se pode constatar o anteriormente afirmado:

                   “Os autores da Comédie Française representaram hoje, pela primeira vez, ‘Manco’ (uma peça sobre os incas no Peru), de que falamos antes. É uma das piores tragédias já construídas. Há nela um papel para um selvagem que poderia ser muito belo: ele recita em verso tudo o que temos lido espalhado sobre reis, liberdade e os direitos do homem, em ‘A desigualdade de condições’, em ‘Emílio’, em ‘O Contrato Social’”.

A autora destaca que a aludida peça não empregava expressão precisa de “direitos do homem”... Em vez disso, fazia alusão a “direitos de nosso ser”. Todavia era certo que o conceito vinha sendo amplamente utilizado nos meios intelectuais e tinha associação direta com os escritos de Rousseau.
Nos anos 1780 e 1790 outros escritores iluministas (são citados o barão D’Holbach, Raynal e Mercier) utilizaram amplamente o termo “direitos do homem”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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