O fragmento de Thomas Jefferson reproduzido no final da última postagem dá a entender que o autor considerava que o tráfico de escravos para os Estados Unidos desrespeitava os direitos humanos dos africanos ao mesmo tempo que manchava a reputação dos cidadãos norte-americanos. O conteúdo limita-se à passividade, e tanto é assim que a partir dele não se conclui nada a respeito do “direito de rebelião dos escravos negros no país”, sendo assim, aos afro-americanos não era atribuída nenhuma iniciativa “em seu próprio nome” (nem se esperava que assim procedessem).
(...)
Os
textos em inglês e em francês não levavam em consideração o “emprego político”
dos termos “direitos humanos, direitos do gênero humano e direitos da
humanidade”. Antes disso, os referidos termos serviam para distinguir numa
escala bem definida o que se relacionava a “humano” daquilo que era próprio do
“divino” e de tudo o mais relacionado aos “animais” domesticados ou selvagens. Aos
direitos de liberdade não se cogitavam, por exemplo, a de expressão ou de
participação efetiva na política.
A título de ilustração, o livro cita um trecho da
consideração de 1734 do clérigo católico francês, Nicolas Lenglet-Dusfresnoy,
em que se referia de modo crítico/ satírico ao cotidiano dos monges do século
VI:
“Aqueles
monges inimitáveis do século VI, que renunciavam tão inteiramente a ‘todos os
direitos de humanidade’, que pastavam como animais e andavam por toda parte
completamente nus”.
(...)
Também
Voltaire, em 1756, dizia que entre os persas gozava-se dos “direitos de humanidade”
porque em seu país havia maiores “recursos contra o tédio”. O filósofo usou o
conceito “direito humano” em seu “Tratado sobre a Tolerância”, de 1763, todavia
o entendimento que se tinha de “direito humano” era algo parecido com “direito
natural” e não se difundiu de um momento para outro como podemos imaginar.
Na França, a década de 1760 foi de inovações em
relação aos nomes que se davam aos direitos a que os homens podiam aspirar...
Já os autores ingleses continuaram a usar a expressão “direitos naturais” (ou
apenas “direitos”) por um bom tempo... Entre os franceses tornou-se comum falar
de “direitos do homem” para diferenciar um estatuto bem definido do “direito
natural” (ou “lei natural”), que contava numerosos “possíveis significados” e
muitas vezes era utilizado “para fazer sentido dentro da ordem tradicional”.
Neste
ponto é citada uma frase de Jacques Bossuet, bispo católico francês defensor do
absolutismo monárquico, em que, ao descrever a entrada de Jesus no céu, afirma
que “Ele entrou no céu pelo seu próprio direito natural”.
(...)
Depois
da publicação de “O Contrato Social”, 1762, de Jean Jacques Rousseau, o termo
francês “droits de l’homme” (direitos do homem) tornou-se comum mesmo que o
autor não lhe atribuísse definição específica. O mesmo texto faz referências a “direitos
da humanidade”, “direitos do cidadão” e “direitos da soberania”.
No ano seguinte à publicação de “O Contrato Social”, “direitos
do homem” circulou por várias publicações como se se tratasse de conceito reconhecido
por vasto leque de leitores. O livro cita fragmento de uma “revista clandestina”
de 1763 em que se pode constatar o anteriormente afirmado:
“Os autores da Comédie Française
representaram hoje, pela primeira vez, ‘Manco’ (uma peça sobre os incas no Peru),
de que falamos antes. É uma das piores tragédias já construídas. Há nela um
papel para um selvagem que poderia ser muito belo: ele recita em verso tudo o
que temos lido espalhado sobre reis, liberdade e os direitos do homem, em ‘A
desigualdade de condições’, em ‘Emílio’, em ‘O Contrato Social’”.
A autora destaca que a aludida peça não empregava
expressão precisa de “direitos do homem”... Em vez disso, fazia alusão a “direitos
de nosso ser”. Todavia era certo que o conceito vinha sendo amplamente
utilizado nos meios intelectuais e tinha associação direta com os escritos de
Rousseau.
Nos anos 1780 e 1790 outros escritores iluministas (são citados
o barão D’Holbach, Raynal e Mercier) utilizaram amplamente o termo “direitos do
homem”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_18.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto