Até aqui vimos o quanto a definição de “direitos humanos” esteve vinculada a outros termos, como o de “direito natural”. A conceituação foi complexa e inicialmente utilizava-se “direitos do homem” para diferenciar e posicionar a condição de humano abaixo do “divino” e acima das demais criaturas.
Filósofos refletiram a respeito e à luz dos movimentos sociais do final do século XVIII formularam definições... Aí concentra-se o esforço da razão... Todavia a ideia de que os direitos são autoevidentes se relaciona mais a um dado emocional porque pressupõe que cada indivíduo tenha a mesma percepção e aversão à violação de qualquer um deles.
Um dos fragmentos expostos na última postagem mostra que o líder calvinista Rabaut Saint-Étienne evidenciou que os argumentos usados em sua missiva ao rei resultavam da convicção de que havia um “conhecimento implícito” a respeito dos direitos naturais que todos possuíam. De acordo com a própria carta, esses direitos eram “muito bem conhecidos em todo o mundo”, eram maiores e mais amplos do que qualquer “édito de tolerância religiosa” como a que o monarca pretendia promulgar.
(...)
Para Diderot:
“o uso desse termo (droit
naturel) é tão familiar que quase ninguém deixaria de ficar convencido, no
interior de si mesmo, de que a noção lhe é obviamente conhecida. Esse
sentimento interior é comum tanto para o filósofo quanto para o homem que
absolutamente não refletiu”.
Vemos que Diderot aponta para um dado extremamente
importante para o entendimento do que devem ser “direitos do homem” na medida
em que explicita que eles requerem “sentimento interior” partilhado com os
demais. O filósofo atestou que em sua condição de ser humano não tinha “outros direitos
naturais que sejam verdadeiramente inalienáveis a não ser aqueles da humanidade”.
(...)
Há
então este componente que é o do sentimento interior de cada homem. Somente a
partir dele é que nos damos conta de que nossos semelhantes devem gozar dos
mesmos direitos a que aspiramos.
Jean-Jacques
Burlamaqui, “filósofo suíço da lei natural” e jurista que influenciou o Direito
de vários países, é citado pelo livro. Para ele, eram os sentimentos interiores
de cada um que poderiam inspirar a experiência de liberdade na sociedade...
Segundo Burlamaqui, “tais provas de sentimentos estão acima de toda objeção e
produzem a convicção mais profundamente arraigada”.
Relações sociais e convicções de cada um (resultado da
interação com os demais) sobre os procedimentos que julgamos correto e tudo o
que definimos como errado foram fundamentais para a constituição daquilo que
passou a ser entendido como “direitos humanos”. Muitos filósofos partiram desse
referencial.
Os direitos passaram a ser entendidos como autoevidentes porque
teorias e os princípios políticos revolucionários levaram em conta esse
conteúdo “emocional interior”. Diderot insistia que os “movimentos tinham de
ser experimentados por muitas pessoas, e não somente pelos filósofos que
escreviam sobre eles”.
Partindo-se da compreensão sobre a individualidade
chegou-se a uma concepção dos direitos humanos. Esses seriam relacionados às
pessoas na mesma medida em que elas passassem a ser entendidas como ”capazes de
exercer um julgamento moral independente”. Neste ponto, vale a citação de
Blackstone sobre a ideia de que os direitos do homem acompanham o indivíduo “considerado
como um agente livre, dotado de discernimento para distinguir o bem do mal”.
A empatia pelos outros tornou-se condição essencial para a
vida em sociedade, em que, cada um de seus membros, dotados da faculdade de proceder
a “julgamentos morais independentes”, se fundamentasse nos direitos... Isso
implica que cada um deve ser visto “como semelhante”. Assim, (a condição de)
liberdade e igualdade, por exemplo, seriam internalizadas e deixariam de ser
apenas “conceitos abstratos ou políticos”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_23.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto