segunda-feira, 19 de agosto de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – ainda sobre a conceituação de direitos do homem e da humanidade; fragmentos de Diderot sobre a naturalidade que envolve conceito; considerações de Jean-Jacques Burlamaqui acerca dos sentimentos interiores e a concepção de direito; o conteúdo emocional interior, “autoevidência” dos direitos e empatia

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_18.html antes de ler esta postagem:

Até aqui vimos o quanto a definição de “direitos humanos” esteve vinculada a outros termos, como o de “direito natural”. A conceituação foi complexa e inicialmente utilizava-se “direitos do homem” para diferenciar e posicionar a condição de humano abaixo do “divino” e acima das demais criaturas.
Filósofos refletiram a respeito e à luz dos movimentos sociais do final do século XVIII formularam definições... Aí concentra-se o esforço da razão... Todavia a ideia de que os direitos são autoevidentes se relaciona mais a um dado emocional porque pressupõe que cada indivíduo tenha a mesma percepção e aversão à violação de qualquer um deles.
Um dos fragmentos expostos na última postagem mostra que o líder calvinista Rabaut Saint-Étienne evidenciou que os argumentos usados em sua missiva ao rei resultavam da convicção de que havia um “conhecimento implícito” a respeito dos direitos naturais que todos possuíam. De acordo com a própria carta, esses direitos eram “muito bem conhecidos em todo o mundo”, eram maiores e mais amplos do que qualquer “édito de tolerância religiosa” como a que o monarca pretendia promulgar.
(...)
Para Diderot:

                   “o uso desse termo (droit naturel) é tão familiar que quase ninguém deixaria de ficar convencido, no interior de si mesmo, de que a noção lhe é obviamente conhecida. Esse sentimento interior é comum tanto para o filósofo quanto para o homem que absolutamente não refletiu”.

Vemos que Diderot aponta para um dado extremamente importante para o entendimento do que devem ser “direitos do homem” na medida em que explicita que eles requerem “sentimento interior” partilhado com os demais. O filósofo atestou que em sua condição de ser humano não tinha “outros direitos naturais que sejam verdadeiramente inalienáveis a não ser aqueles da humanidade”.
(...)
Há então este componente que é o do sentimento interior de cada homem. Somente a partir dele é que nos damos conta de que nossos semelhantes devem gozar dos mesmos direitos a que aspiramos.
Jean-Jacques Burlamaqui, “filósofo suíço da lei natural” e jurista que influenciou o Direito de vários países, é citado pelo livro. Para ele, eram os sentimentos interiores de cada um que poderiam inspirar a experiência de liberdade na sociedade... Segundo Burlamaqui, “tais provas de sentimentos estão acima de toda objeção e produzem a convicção mais profundamente arraigada”.
Relações sociais e convicções de cada um (resultado da interação com os demais) sobre os procedimentos que julgamos correto e tudo o que definimos como errado foram fundamentais para a constituição daquilo que passou a ser entendido como “direitos humanos”. Muitos filósofos partiram desse referencial.
Os direitos passaram a ser entendidos como autoevidentes porque teorias e os princípios políticos revolucionários levaram em conta esse conteúdo “emocional interior”. Diderot insistia que os “movimentos tinham de ser experimentados por muitas pessoas, e não somente pelos filósofos que escreviam sobre eles”.
Partindo-se da compreensão sobre a individualidade chegou-se a uma concepção dos direitos humanos. Esses seriam relacionados às pessoas na mesma medida em que elas passassem a ser entendidas como ”capazes de exercer um julgamento moral independente”. Neste ponto, vale a citação de Blackstone sobre a ideia de que os direitos do homem acompanham o indivíduo “considerado como um agente livre, dotado de discernimento para distinguir o bem do mal”.
A empatia pelos outros tornou-se condição essencial para a vida em sociedade, em que, cada um de seus membros, dotados da faculdade de proceder a “julgamentos morais independentes”, se fundamentasse nos direitos... Isso implica que cada um deve ser visto “como semelhante”. Assim, (a condição de) liberdade e igualdade, por exemplo, seriam internalizadas e deixariam de ser apenas “conceitos abstratos ou políticos”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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