quarta-feira, 28 de agosto de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – sobre a mudança do conceito de tortura ao longo do século XVIII; fragmentos de Montesquieu sobre o conceito relacionado ao suplício físico nos processos judiciais e o grito da “voz da natureza”; Jefferson e também a declaração francesa de 1789 a respeito da legitimidade dos governos constituídos enquanto instituições de defesa dos direitos; da empatia enquanto motivadora de concepções de comunidades mais respeitosas em relação à autonomia e à individualidade

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_23.html antes de ler esta postagem:

Durante a primeira metade do século XVIII, a palavra “tortura” (pelo menos em francês) relacionava-se aos problemas dos escritores na produção textual, notadamente nas ocasiões de maior complexidade em que necessitavam de encaixar expressões mais adequadas aos propósitos de sua redação... O livro apresenta citação de Pierre de Marivaux (1724) que retrata o anteriormente exposto. Esse jornalista e romancista fazia referências sobre “torturar a mente para extrair reflexões”.
Ao que tudo indica, foi somente depois que Montesquieu publicou “Espírito das Leis” (1748) que a “tortura”, suplício dos corpos por autorização judicial a fim de se obter confissões e delações, passou a ser mais debatida e questionada pelos que se importavam com a temática dos direitos. Para o referido filósofo francês, “tantas pessoas inteligentes e tantos homens de gênio escreveram contra essa prática” que ele mesmo não se sentia à vontade para ainda mais criticá-la.
Há um trecho em que Montesquieu ressalta que poderia até levar em consideração a tortura judicial enquanto praticada por regimes de exceção:

                   “Eu até poderia dizer que ela fosse apropriada para o governo despótico, no qual tudo que inspira medo contribui para o vigor do governo; ia dizer que os escravos entre os gregos e os romanos... Mas escuto a voz da natureza gritando contra mim”.

O trecho acima enfatiza que a tortura judicial poderia ser resultado de governos autoritários que impõem às sociedades um regime do medo. Cita as experiências da Grécia e da Roma da Antiguidade, que tiveram no escravismo a base de sua organização. Por fim Montesquieu salienta que “a voz da natureza” grita contra esses descabimentos.
Novamente vemos a ideia de “autoevidência” dos direitos... Depois de Montesquieu, Voltaire, Beccaria e vários outros intelectuais se colocaram abertamente contra a tortura judicial que supliciava corpos e mentes de processados e de testemunhas.
A década de 1780 foi marcada por discussões intensas em torno dos direitos e da definição de doutrinas. Neste momento, a tortura e outras “formas bárbaras de punição corporal” haviam sido totalmente refutadas pelos teóricos.

(...)

As pessoas passaram a se sensibilizar mais com as agressões às individualidades físicas e psicológicas que outros sofriam... Esse dado passou a contar nas análises dos que refletiam sobre a autoridade política e sua legitimidade enquanto garantidora dos direitos.
Thomas Jefferson anunciava que o Criador dotou os homens de direitos... Mas quando os homens realizam pactos e definem governo, este será tanto melhor ou pior de acordo com os acertos ou erros dos que o compõem. A vontade de Deus não conta aí. Os homens reunidos em comunidade chegam ao consenso e estabelecem o governo. Eles o instituem para que os direitos sejam assegurados! O poder de governar reside no “consentimento dos governados”.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão segue os mesmos princípios. Nela se lê que o “objetivo de toda associação política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem”, e ainda que o “princípio de toda soberania reside na nação”.
(...)
De acordo com Lynn Hunt, os estudiosos (das teorias, dos contratos e da autoridade política constituída pelo consenso dos que pretendem que a instituição assegure os direitos básicos) “têm prestado pouca atenção à visão dos corpos e das individualidades que a tornou possível” (a autoridade política).
Ela cita o cientista político Benedict Anderson e seus argumentos a respeito dos jornais e romances enquanto criadores de uma “comunidade imaginada” que permite o florescimento do nacionalismo.
A “empatia imaginada” (a ideia de que os outros são iguais e como nós) fundamenta os direitos humanos. A leitura de romances, veremos isso, contribuiu para que mais e mais pessoas passassem a ter noções das dores que personagens fragilizados sofrem silenciosamente. A reação (empatia) propiciou concepções de comunidades em que a autonomia e a individualidade de cada um sejam respeitadas.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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