A partir da constatação das três “qualidades encadeadas”, em se tratando de direitos humanos, só podemos considerar que eles devem ser aplicados a todos os humanos que existem no mundo. Isso é evidente e não há como aplicar exceções.
Todavia ocorreu que se aceitou sem maiores dificuldades o fato de os direitos serem naturais... Lidar com as questões da igualdade ou da universalidade dos direitos sempre foi problemático. Daí as polêmicas em relação aos imigrantes ou sobre a idade a partir da qual a pessoa passa a ter pleno direito de participação política. Aliás o “conteúdo político” é o que torna os direitos humanos mais significativos, e nós podemos percebê-los mais ou menos exercidos e respeitados na vida em sociedade.
Embora entendidos como “naturais”, os direitos humanos não cabem numa reflexão sobre um hipotético “estado de natureza”... Só vemos sentido nos direitos na medida em que pensamos nas diversas relações entre os humanos em sociedades politicamente organizadas.
(...)
A Bill of Rights que sacramentou a Revolução Gloriosa
na Inglaterra em 1689 fez referências aos “antigos direitos e liberdades”, e é bem
verdade que no início do século XIII, por ocasião da promulgação da Magna Carta
(1215), direitos (relacionados aos costumes dos habitantes de Londres e de
outras cidades, burgos e vilas) e liberdades foram mencionados e garantidos
pela lei. Mas nenhum dos dois textos declara ”igualdade, universalidade ou
caráter natural dos direitos”.
Como
vimos, foi nos Estados Unidos e na França do final do século XVIII que as três
“qualidades encadeadas” dos direitos passaram a ser tratadas a partir de uma
“expressão política direta”. A Declaração de Independência dos Estados Unidos
cravou que “todos os homens são criados iguais” e que “possuem direitos
inalienáveis”... Por sua vez, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
anunciou que “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.
O termo “homem” não se referia apenas aos franceses da
época da revolução, e tampouco somente aos indivíduos do sexo masculino, de
determinada raça ou religião... No caso, a palavra inclui todas os “membros da
raça humana”.
(...)
Lynn
Hunt observa que entre o final do século XVII e o final do XVIII ocorreu uma
mudança no entendimento que se tinha dos direitos... De uma prerrogativa específica
de determinado povo (“ingleses nascidos livres”; esse é o caso do movimento mais
antigo) passou-se à reivindicação dos “direitos do homem” (les droits de l’homme;
como os representantes franceses definiram no documento de agosto de 1789).
Referências
a “direitos humanos” não eram comuns entre os que militavam pelas causas
sociais e políticas durante o século XVIII. Eventualmente, quando a expressão
era utilizada, não tinha o mesmo significado que lhe atribuímos na atualidade.
Thomas Jefferson falava de “direitos naturais”, e só após
os acontecimentos de 1789 é que “direitos do homem” se tornou termo usual.
Então as duas expressões relacionaram-se mais ao conteúdo político. Por outro
lado, “direitos humanos” era termo para tratar de “algo mais passivo”.
A autora cita fragmento de texto de Jefferson (1806) no
qual usou “direitos humanos” em considerações sobre os malefícios do tráfico de
escravos para os Estados Unidos:
“Eu
lhes felicito, colegas cidadãos, por estar próximo o período em que poderão
interpor constitucionalmente a sua autoridade para afastar os cidadãos dos
estados Unidos de toda participação ulterior naquelas violações dos direitos
humanos que têm sido reiteradas por tanto empo contra os habitantes inofensivos
da África, e que a moralidade, a reputação e os melhores interesses do nosso
país desejam há muito proscrever”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_91.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto