quarta-feira, 14 de agosto de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – a questão da autoevidência dos direitos se repetindo historicamente e alguns paradoxos; qualidades encadeadas aos direitos humanos

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_1.html antes de ler esta postagem:

Tanto a Declaração de Independência dos Estados Unidos quanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tinham suas bases em afirmações de “autoevidência”. Na primeira lemos que os congressistas levavam em consideração “verdades autoevidentes” para legitimar suas reivindicações, já a Declaração francesa deixava claro que os “males públicos e das corrupções de governo” eram causados pela “ignorância, negligência ou o menosprezo dos direitos do homem”. Essa afirmação pressupõe uma “autoevidência” dos direitos (já que eram negligenciados ou menosprezados pelos dirigentes políticos ou pelos mais favorecidos da sociedade).
Também a Declaração de 1948 introduz os direitos partindo desse ponto de vista... O texto apresenta um fragmento que, marcado por formalidade legislativa, corrobora com o caráter de “autoevidência” dos direitos elementares:

                   "Visto que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...)".

Neste ponto a autora esclarece que o “visto que” do início do trecho deve ser entendido como “sendo fato que”, ou seja, “visto que” é “um modo legalista de afirmar algo determinado, autoevidente”.
(...)
A questão que se pode levantar é, dado que “a igualdade dos direitos é tão autoevidente”, por que a afirmação devia ser proclamada? E por que em épocas e locais específicos?
Se há a necessidade proclamar os direitos, é porque eles não são reconhecidos! Aí há um paradoxo... Eles são universais, mas não são “universalmente reconhecidos”! Se os direitos são mesmo autoevidentes, então por que estudiosos e teóricos diversos discutem o assunto há tanto tempo?
Thomas Jefferson fez a afirmação a respeito da autoevidência dos direitos sem jamais sentir a necessidade de explicá-la. Suas considerações foram analisadas pelo “Comitê dos Cinco”* e aprovadas pelo Congresso e, apesar de algumas modificações, ninguém cogitou revisar o juízo em questão (de que “todos os homens são criados iguais, dotados pelo seu Criador de certos Direitos inalienáveis, que entre estes estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade” e que estas são “verdades autoevidentes”).

                            * a partir das notas do livro: comitê formado por Thomas Jefferson, John Adams. Benjamin Franklin, Robert Livingston e Roger Sherman com o objetivo de elaborar a Declaração de Independência; foi constituído por determinação do Congresso a 11 de junho de 1776.

Devemos considerar ainda que, se Thomas Jefferson tivesse de explicar a premissa, e em que ela se fundamentava, a “autoevidência” da afirmação perderia o seu principal sentido.
(...)
Essa ideia de “autoevidência” relacionada aos direitos é muito importante para a discussão que envolve os “direitos humanos”, e sobretudo para a história que Lynn Hunt pretende contar.
O que até aqui se expôs dá conta que durante o século XVIII (e a partir dele) a tal evidência em torno dos direitos tornou-se convincente para os que se debruçaram sobre a necessidade de se estabelecer os parâmetros para a organização da sociedade em plena transformação.
Muitas vezes os estudos nos levam a concluir que a história dos direitos está inserida na “história da civilização ocidental” desde as contribuições de gregos e romanos da antiguidade clássica... Novamente a autora nos leva a pensar sobre outra instigante questão: entre os antigos babilônicos, hindus, budistas ou islamitas, não se desenvolveram princípios relacionados aos mesmos direitos?
Para encerrar, precisamos levar em conta que “direitos humanos” demandam três “qualidades encadeadas”. Eles devem ser:
                   * naturais (inerentes nos seres humanos);
                   * iguais (os mesmos para todo mundo);
                   * universais (aplicáveis por toda parte).
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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