quinta-feira, 7 de setembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – o oratório de Titi, uma “reprodução do céu”; internato dos Isidoros; estudando na companhia de Crispim; um pouco do cotidiano escolar

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_12.html antes de ler esta postagem:

Maria do Patrocínio deu a entender que não admitiria maiores aproximações. Dispensou Teodorico da sala chamando-lhe a atenção para que não mantivesse o dedo na boca... Orientou-o a seguir pelo corredor até a cozinha, onde estava a Vicência... Passaria pelo oratório, então devia ajoelhar-se diante dele e fazer o sinal da cruz.
(...)
O menino seguiu e viu que junto ao oratório havia uma luz... Não fez o sinal da cruz conforme a tia orientara, mas ousou abrir a cortina verde que o escondia. Então ficou deslumbrado com o que viu... O local era todo revestido de seda roxa e nele havia “painéis enternecedores em caixilhos floridos contando os trabalhos do Senhor”. Do altar pendiam toalhas que chegavam aos tapetes do chão... Os santos eram de marfim e madeira, e tinham auréolas lustrosas. Violetas e camélias enfeitavam e perfumavam o ambiente.
Teodorico demorou-se na contemplação. Velas iluminavam duas “salvas nobres de prata” (ricas bandejas) e também a cruz escura em que Nosso Senhor Jesus Cristo estava cravado. Ele era todo de ouro e reluzia!
O menino se aproximou até a almofada... Viu marcas de joelhos que só podiam ser da tia acostumada a dobrá-los em oração e adoração às imagens. Para a criança, aquele cenário era reprodução fiel do que devia ser o céu com seus anjos, santos, “Nossa Senhora e o Pai de Todos”... E todas as entidades deviam ser como o Cristo do oratório da Titi, de ouro!
E talvez tivessem pedras preciosas cravejadas!
O brilho de todas essas entidades no céu fazia o dia... Os pontos mais brilhantes conseguiam atravessar a negritude da noite e por isso as pessoas podiam ver tantas estrelas.
(...)
Vicência serviu o chá ao Teodorico... Depois ele foi conduzido a um quartinho pegado ao dela. Ela o ensinou a juntar as mãos e, de joelhos, fazer suas orações... Ele tinha de erguer a face para o céu e proferir “padre-nossos” pela saúde de sua Titi, pela alma de Dona Rosa e também pela alma de certo comendador Godinho, que havia sido rico e santo enquanto viveu.

(...)

Depois de dois anos, a tia Patrocínio enviou o sobrinho a um colégio interno, “dos Isidoros”, na localidade de Santa Isabel.
Foi no internato que Teodorico conheceu o Crispim (como sabemos desde o relato do prólogo, este viria a se tornar seu cunhado).
O Crispim era “mais crescido” e Teodorico se referia a ele como “filho da firma Teles, Crispim & Cia. donos da fábrica de fiação à Pampulha”. Os dois tiveram uma relação de amizade de muita proximidade e cumplicidade.
De acordo com o registro de Teodorico, o amigo possuía uma beleza que o colocava em posição de destaque... Durante as missas de domingo era possível vê-lo auxiliando os padres. Seus longos cabelos louros pareciam angelicais.
Não foram poucas as vezes em que o rapaz, ao passar por Teodorico nos corredores vazios, o agarrou e deu-lhe beijos que marcavam seu rosto macio... Durante as horas de estudos que os meninos realizavam à noite, o Crispim passava-lhe bilhetinhos repletos de elogios eloquentes e promessas de recompensas.
(...)
O trecho também descreve situações que nos ajudam a entender um pouco da rotina do colégio interno... Assim ficamos sabendo que:
* todas as quintas-feiras os alunos deviam lavar os pés;
* certo Padre Soares os encontrava três vezes durante a semana para sabatiná-los com questões sobre “doutrina” e também para falar a respeito dos feitos de Jesus (Teodorico se recorda especificamente das ocasiões em que o religioso falava sobre os eventos da Paixão; a respeito da maldade de Caifás; sobre uma terrível árvore de espinhos que havia na Judeia...);
* o momento mais aguardado pelos garotos era o do fim das aulas e início do recreio;
* o pátio tinha um cheiro muito desagradável por causa das latrinas que ficavam próximas;
* os mais crescidos se escondiam para fumar numa sala térrea;
* na referida sala aconteciam “aulas de dança” com o velho mestre Cavinetti, que ensinava passos de mazurca à moçada.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas