As visitas do Rufino ao “Mosteiro” tornaram-se frequentes...
O guarda da Alfândega (um tipo chamado João) levava-lhe o violão... Assim podia passar horas agradáveis com Dona Rosa na varanda. Os dois contemplavam a lua tendo os acordes do instrumento e as “Tristezas do Conde Ordonho” por cantiga.
Dona Maria do Patrocínio recolhia-se às orações... O comendador Godinho tinha por entretenimento partidas de gamão junto ao doutor Margaride, delegado e amigo da família de longa data.
Havia ocasiões em que Rufino participava do gamão... Então Dona Rosa acomodava-se junto ao tio... Ela sempre trazia um livro e uma flor a lhe enfeitar os cabelos.
(...)
Rufino e Dona Rosa se
casaram...
Teodorico
nasceu numa sexta-feira da Paixão... Sua mãe faleceu na manhã do Sábado de
Aleluia. Foi sepultada no cemitério de Viana, num sítio repleto de chorões,
onde ela tinha o hábito de passear durante as tardes de verão com a sua
Traviata, a cadelinha de estimação.
O comendador e sua
sobrinha não retornaram àquelas paragens... O tempo passou... Teodorico cresceu
e passou pelas enfermidades que assolam as infâncias. O violão de seu pai
tornou-se uma peça esquecida a um canto da sala.
(...)
Seu Rufino
engordou... Os bons tempos haviam ficado para trás.
Certo dia, durante o mês
de julho, a criada Gervásia vestiu o menino com uma pesada vestimenta preta...
Era pelo luto do comendador Godinho.
Em suas memórias, Teodorico destaca que na ocasião o seu Rufino colocou
um pouco de fumo no chapéu de palha... Diversas vezes seu pai deixava escapar a
pouca consideração que tinha pelo finado, a quem chamava de “malandro”.
Também o seu Rufino faleceu por aqueles tempos da infância do Teodorico.
O menino contava sete anos... O óbito ocorreu numa noite festiva e de
brincadeiras (de entrudo – que antecedia a época da Quaresma - como o Carnaval).
Fantasiado de urso, sofreu uma apoplexia (um derrame cerebral) no momento em
que descia as escadas para ir a um baile.
Nas memórias, Teodorico registra que ainda se
lembrava do dia seguinte , quando notou o luto desesperado de “uma senhora alta
e gorda” que chorava copiosamente diante das manchas de sangue no local onde o
seu Rufino havia tombado.
Como se esquecer da
velha de véu escuro que se mantinha parada diante da porta a proferir orações
fúnebres? Atmosfera de velório! As janelas foram fechadas e o máximo de
iluminação na casa foi uma “luzinha de
capela” produzida por um candeeiro de latão colocado sobre um banco.
Ventava e chovia... As pessoas manifestavam o seu pranto enquanto no
Largo da Senhora da Agonia conduziam o caixão com o seu Rufino ao cemitério.
Sem dúvida, o cenário era dos mais tristes. O frio e a cruz negra da capelinha
no alto do monte calaram profundamente na consciência do pequeno Teodorico.
(...)
Naquela
mesma manhã, dona Gervásia acomodou o garoto no chão do “quarto de engomar”...
De onde estava, ele podia ouvir os passos de João (o guarda da alfândega) pelos
corredores...
O Teodorico que
escreve as memórias se recorda que na noite de luto pela morte do pai a
cozinheira ofereceu-lhe um pedaço de pão de ló... Depois ele adormeceu.
E depois... O devaneio.
(...)
Ele
se viu caminhando à beira de um rio de águas claras.... O lugar era repleto de
choupos antigos que pareciam dotados de alma... Ao seu lado caminhava um homem
nu. Este só podia ser Bosso Senhor Jesus Cristo, pois seus pés e mãos estavam
chagados.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_82.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto