domingo, 3 de setembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – ainda sobre o prólogo; dos objetivos do manuscrito; comparações entre os aspectos físicos da Palestina e os das paragens lusitanas; a obra de Topsius para os que pretendem informações científicas sobre os monumentos e geografia da Terra Santa; Teodorico citado em “Jerusalém passeada e comentada”; pequena polêmica a respeito de dois embrulhos em papel pardo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da.html antes de ler esta postagem:

Teodorico garante que o objetivo de sua empreitada (o registro das memórias que detalharão a espetacular viagem à Terra Santa ao tempo em que Jesus passou pelo processo de Sua condenação à morte) não pode ser confundido com o daqueles que pretendem apresentar um “Guia Pitoresco do Oriente”.
O que o levou à produção textual foram motivações espirituais... Isso já foi destacado na postagem anterior. E essa é a causa de ele ter suprimido de sua redação “suculentas narrativas” que só serviriam para atender as aspirações dos que pretendem aumentar seus conhecimentos a respeito de “ruínas e costumes” da longínqua Palestina.
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Ele acrescenta que o “país do Evangelho” é menos interessante do que o Alentejo, sua terra natal. Se as terras bíblicas foram “favorecidas por uma presença messiânica”, não foram contempladas pelas paisagens que tornam esplendorosas as mais belas paragens.
Teodorico não teria condições de falar sobre os locais por onde Buda ou Maomé andaram e viveram, pois somente ouvira falar ou lera a respeito de Migadaia, Veluvana, o vale de Rajágria (Índia) ou da caverna de Hira, Meca e Medina (Arábia)...
Mas a respeito das terras por onde Jesus caminhou, sentia-se na plena condição de sentenciar que se tratam de locais de “secura, soledade e entulho”. A respeito de Jerusalém, afirma que se tratava de “uma vila turca, com vielas andrajosas, acaçapada entre muralhas cor de lodo, e fedendo ao sol sob o badalar de sinos tristes”...
Também o rio Jordão não escapa de sua crítica. Para ele, o rio do batismo é barrento e não poderia ser comparado ao curso de águas claras do Lima, que abastecia o Mosteiro e saciava as raízes dos amieiros de sua propriedade. No entanto reconhecia que as claras águas de Portugal jamais tocaram “os joelhos de um Messias”.
Teodorico imagina que seus escritos chegassem às mãos de curiosos que querem saber de detalhes que lhe escapavam... Há quem queira saber por exemplo do “tamanho das pedras” ou quanto se paga pela cerveja... Para esses, ele recomenda a leitura de “Jerusalém passeada e comentada” (sete volumes impressos em Leipzig), do doutor Topsius, alemão formado “pela Universidade de Bonn e membro do Instituto Imperial de Escavações Históricas”.
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Teodorico revela que o citado doutor alemão foi seu companheiro durante a romagem à Terra Santa... Topsius o cita em diversas passagens de seu texto tratando-o por “ilustre fidalgo lusitano”. As páginas são recheadas de juízos e reflexões que o autor atribui ao beato português em peregrinação. O recurso utilizado (evidentemente as frases e pensamentos atribuídas ao Teodorico eram fictícias) foi utilizado de modo a permitir ao intelectual tecer argumentos científicos e esclarecedores a respeito do limitado entendimento (normalmente envolto em misticismo) das pessoas sobre os locais bíblicos.
A respeito da iniciativa de Topsius, que em diversas passagens de seu texto dava a entender que o cristão da Península Ibérica não tivesse condições intelectuais de compreender os vários templos, confundindo o que pertencia ao século I com o que era da época das Cruzadas, Teodorico não considerou que fosse digna de denúncia ou retaliação aos periódicos. Até porque, no entendimento do Raposo, as “falas” a ele atribuídas não eram inferiores em “arrogância teológica” às de Jacques Bossuet.
(...)
Há um trecho da referida obra de Topsius que Teodorico faz questão de lembrar e refutar. Como veremos bem mais adiante, o trecho é polêmico e trata-se de importante peça no desenrolar da história.
Topsius citou dois embrulhos que o lusitano levava desde Alexandria até o monte Carmelo. O alemão afirma que o rapaz transportava os restos de seus antepassados nos embrulhos... Mas será que o erudito alemão pensava mesmo que Teodorico transportava os ossos dos avós? Isso não tinha o menor cabimento!
No entendimento de Teodorico, os burgueses liberais fariam um mal juízo de sua figura ao lerem as considerações de Topsius... Se por um lado os burgueses valorizam os bem posicionados socialmente e os de “boas famílias” com suas excelentes residências, detestam “o bacharel, filho de algo, que passeie por diante deles, (...) com as mãos carregadas de ossos de antepassados — como um sarcasmo mudo aos antepassados e aos ossos que a eles lhes faltam”.
Tinha o Teodorico o perfil dos que profanam as sepulturas? Evidentemente também não se tratava de tipo que se importasse com ”fulminações” que a Igreja despeja sobre os que são por ela processados... Mas isso é questão que nem merece maiores reflexões... É o próprio Teodorico quem dá um arremate ao caso.
Mas ele não deixa de salientar que o alemão sabia muito bem o que ele transportava nos dois embrulhos de papel pardo... Talvez numa segunda edição de sua obra, Topsius pudesse corrigir o detalhe... Ele tinha conhecimento do que havia sido embrulhado no Egito e o que havia sido embrulhado nas terras de Canaã...
Pelo menos as “memórias” de Teodorico não faltariam com a verdade. Os que as lessem saberiam exatamente o que os embrulhos guardavam.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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