sexta-feira, 15 de setembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – Teodorico bacharel; égua e “mesada de três moedas” de presente; ; acompanhando a Titi durante as orações; passeios honestos, obrigações religiosas e “bilhar do Montanha”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_14.html antes de ler esta postagem:

Enfim o curso em Coimbra foi concluído.
Dona Maria do Patrocínio recebeu um Teodorico doutor, diploma e documentos no “canudo de lata”... Ela ficou encantada com as muitas linhas em latim existentes nos papéis... Ao seu modo parabenizou-o lembrando que era graças a Deus Nosso Senhor que alcançara êxito nos estudos. Esperava que o moço jamais se esquecesse de cumprir suas obrigações de religião.
Logo que a ouviu, Teodorico correu ao oratório e se ajoelhou com seu rico canudo diante do “Cristo de ouro”.
(...)
No dia seguinte, bem cedo, enquanto ajeitava a cerrada barba, Teodorico recebeu a visita do padre Casimiro. O religioso mostrava-se feliz ao dizer-lhe que trazia uma boa notícia.
Além de receber os parabéns, Teodorico ficou sabendo que a tia o presenteara com uma égua. O padre ressaltou que evidentemente esperava-se que ele espairecesse por Lisboa com “honestos passeios”.
O bacharel ficou encantado... O padre disse-lhe ainda que havia mais! A Titi decidira garantir-lhe uma “mesada de três moedas”. Dessa forma sempre teria uns trocados “para deitar na salva de Nossa Senhora do Rosário”.
Teodorico abraçou o religioso... Quis saber se os desejos da tia em relação a ele resumiam-se aos passeios a cavalo pela cidade e às oferendas nas festas religiosas.
Padre Casimiro foi franco. Disse que o desejo da boa senhora era vê-lo temente a Deus. Isso a deixava feliz... Emendou que era bom que fosse agradecer-lhe imediatamente, e sem se esquecer de dizer-lhe coisas agradáveis. Afinal de contas ela merecia!
(...)
Teodorico resolveu dirigir-se à Titi no mesmo momento... Encontrou-a a tricotar na saleta repleta dos “feitos piedosos do patriarca São José”.
Ele se aproximou dizendo que estava grato... Dona Patrocínio disse apenas que “está bom” e que ele podia “ir com Deus”. O moço beijou respeitosamente a franja de seu xale e “foi com Deus”.
(...)
Depois dessas venturas, Teodorico esforçou-se para que a tia o visse como o mais exemplar de todos os rapazes de Lisboa. Passou a acompanhá-la diariamente à missa das oito dirigida pelo padre Pinheiro na Igreja de Santana... Após o almoço retirava-se com toda educação para o oratório... Seguia apressado e, dessa forma, a Titi o alcançava quando ele já estava em oração.
Depois dos “três gloria patri contra as tentações” estava pronto para os passeios a cavalo.
Tornou-se comum a tia incumbi-lo de alguma “tarefa religiosa” nas igrejas de São Domingos e de Nossa Senhora da Conceição... Temendo cometer deslizes que pudessem deixá-la contrariada, o rapaz procurava cumprir honestamente suas obrigações em relação aos santos.
Às vezes acontecia de encontrar, à porta de alguma igreja, um dos tipos que o conheciam de Coimbra... Evidentemente estranhavam sua presença em ambiente carola... Antes que dissessem qualquer coisa, ele emendava que só estava ali “por causa de uma rapariga”... E logo se afastava dando a desculpa de que tinha de tratar de sua égua.
(...)
Teodorico cavalgava com elegância, trajando calças brancas e luvas pretas, seguia para o Largo do Loreto... Em muitas ocasiões, depois de deixar seu animal no Arco da Bandeira, divertia-se no “bilhar do Montanha”.
Seus dias eram assim...
Ao entardecer, recolhia-se ao oratório junto com a tia Patrocínio e a acompanhava nas jaculatórias a São José.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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