quinta-feira, 14 de setembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – o fim da da aventura na casa de Ernestina; a fúria de dona Patrocínio; mentindo e arranjando uma desculpa; radicalismo da carola; doutor Margaride remediando a situação humilhante de Teodorico; a tudo suportar para merecer o legado do comendador

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_98.html antes de ler esta postagem:

Dez da noite!
Teodorico sabia que era a “hora do chá” da tia Patrocínio! Não lhe restava alternativa a não ser partir em disparada naquele mesmo instante.
E foi isso o que ele fez... Nem se despediu!
(...)
Avançou por vielas escuras até chegar ao Campo de Santana. Entrou em casa sem que se lembrasse de tirar as botas cheias de lama. Do corredor que dava para a sala viu a tia e seus óculos escuros... Estava perdido!
Ele sequer teve chance de falar, pois a mulher iniciou uma gritaria no mesmo instante em que o viu. Em síntese, vociferou que não admitia “relaxações” em sua casa... Se ele quisesse viver ali, teria de se submeter aos horários e à suas normas. Quem não se se adaptasse que sumisse para a rua.
Dona Maria do Patrocínio dava o seu sermão enquanto o padre Pinheiro e o tabelião José Justino, de cabeças baixas, talvez calculassem o drama do jovem... O doutor Margaride estava presente, mas o padre Pinheiro foi o primeiro a se manifestar ao dizer que Dona Patrocínio tinha razão quando definiu que a casa possuía uma ordem que devia ser respeitada. Ponderou que talvez o Teodorico tivesse se demorado por uma “causa justa”, tratando de compêndios no bairro do Martinho.
No mesmo instante, Teodorico passou a encenar e a improvisar uma desculpa que pudesse ser suficiente para engambelar a tia. Começou dizendo que o padre Casimiro se equivocara em sua hipótese... Explicou que estivera no Convento da Encarnação, onde encontrou um condiscípulo (era verdade que havia estado com o Silvério) que lá estava para buscar a irmã que “tinha ido passar o dia com uma tia, uma comendadeira”.
O rapaz prosseguiu com sua mentira... Disse que permaneceu com o colega a passear pelo pátio enquanto esperava pela moça. Foi assim que ficou sabendo que ela estava se preparando para casar... Disse essas coisas dando a entender que pretendia retornar o quanto antes, mas o seu conhecido fazia uma cerimônia só... Como deixá-lo? Ainda mais que o dito cujo é sobrinho do barão de Alconchel!
Dona Maria do patrocínio não se sensibilizou. Bem o contrário! Disparou que o que tinha acabado de ouvir denunciava uma “porcaria de conversa” que Teodorico ousara ter no “pátio de uma casa de religião”! Era demais! Depois sentenciou que ele não devia se envolver em semelhante situação novamente porque seria impedido de entrar. Ele que se arranjasse “na rua, como um cão!”
(...)
O doutor Margaride interveio... Inicialmente disse que Teodorico havia sido imprudente... Todavia estivera em ambiente respeitável e, além do mais, o barão de Alconchel era um excelente português. Ele o conhecia e podia garantir que o barão era dono da maior fortuna do país. Possuía muitas propriedades!
Margaride disse ainda que se tivéssemos de considerar apenas seus porcos e sua produção de cortiça contaríamos “centenas de contos”! “Milhões”!
Todos na sala ouviram a voz carregada de sensatez do doutor Margaride... Pelo visto, o Teodorico conseguiu se safar daquele revés com a tia. Foi com grande alívio que ouviu o padre Casimiro dizer-lhe para tomar o “chazinho”. Ele emendou que o rapaz devia crer que sua tia não desejava-lhe outra coisa senão o bem.
(...)
Teodorico se sentiu profundamente envergonhado. Sentiu o desejo de abandonar aquele casarão. Não era possível suportar a humilhação que a velha lhe impôs “diante da Magistratura e da Igreja”.
Será que ela não podia levar em consideração a sua barba, a cada dia mais “respeitável e negra”?
Em outra circunstância, ele teria mesmo caído fora daquela casa. Ao olhar o “jogo de chá” que estava à mesa, herança do comendador Godinho, pensou no quanto a tia Patrocínio era rica e o quanto ele precisava ser bom para ela... E sempre agradá-la!
Não foi por acaso que ele se antecipou... Após o chá chegou antes dela ao oratório. Quando ela entrou o viu todo piedoso, de joelhos e a gemer, implorando perdão ao “Cristo de ouro”.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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