domingo, 17 de setembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – perdendo uma noitada com Adélia; teatro São Carlos com o doutor Margaride; flerte com a viscondessa; um chá no Martinho e a oportunidade de especular sobre o testamento de Dona Patrocínio

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_88.html antes de ler esta postagem:

Certa ocasião aconteceu de o Teodorico topar com o doutor Margaride à saída de uma confeitaria no Rossio... O rapaz estava bem vestido com sua casaca, pois se arrumara para o encontro com a Adélia... Fora à confeitaria para providenciar uns docinhos à base de ovos.
Era noite de exibição de “O Profeta”, ópera de Giacomo Meyerbeer, e o doutor Margaride estava a caminho do São Carlos. Ele ficou feliz com o encontro, assim poderiam seguir juntos ao teatro.
Teodorico dissera mesmo à tia que iria assistir à peça marcada por muita virtude. O rapaz não teve como escapar, então confirmou que também seguia para a encenação e que Dona Patrocínio havia aprovado sua iniciativa.
(...)
Não havia o que fazer... Paciência! Em vez da bela companhia de sua amada, permaneceria sentado junto ao magistrado e toleraria à maçante peça.
Logo que se acomodou em sua cadeira, Teodorico notou que uma senhora, que estava instalada num camarote próximo, desviava o olhar em sua direção com certa constância.
Obviamente quis saber quem era a dona... Dirigiu-se ao doutor Margaride perguntando-lhe se conhecia aquela senhora que ele mesmo já vira várias vezes “durante as missas de sextas-feiras na Igreja da Graça”... O doutor respondeu que ela só podia ser a Viscondessa de Souto Santos ou então a Viscondessa de Vilar-o-Velho. Isso porque na fileira logo atrás estava o Visconde de Souto Santos...
No final das contas, para Teodorico, pouco importava... Interessava que se tratava de uma viscondessa e que, à saída do teatro, encontrou-a a esperar a sua carruagem. No momento, ela o notou novamente e seus olhos se voltaram para onde ele estava. Ao rapaz, pareceu que a mulher era altiva, elegante e “esplêndida”... Todavia não deu para formular maiores hipóteses libidinosas sobre ela.
A única certeza que o dominou foi a de que só poderia se aventurar com mulheres daquela estirpe a partir do momento em que a riqueza da tia Patrocínio passasse para ele por herança... Mas quando isso ocorreria? Quando a Titi morreria?
(...)
No momento em que desembarcaram no Rossio, o doutor Margaride perguntou se Teodorico o acompanhava ao Martinho, onde poderiam tomar chá com as “melhores torradas” de Lisboa...
O estabelecimento já se encontrava praticamente vazio... Numa mesa ao fundo estava um tipo solitário, mas a iluminação a gás estava sendo diminuída aos poucos. O doutor consultou seu relógio e garantiu que o rapaz teria tempo para chegar para as orações do fim do dia junto à tia.
Teodorico o tranquilizou dizendo que Dona Patrocínio passou a confiar mais nele e, por isso, permitia que ele ficasse até um pouco mais tarde na rua... Margaride disse que ele bem o merecia, pois em tudo lhe fazia a vontade... O próprio padre Casimiro havia lhe dito que a boa mulher passara a ter confiança no sobrinho.
(...)
Teodorico sabia que o doutor e o religioso, que era procurador e confessor de sua tia, eram amigos... Então passou a fazer algumas especulações para conhecer um pouco do que o futuro lhe reservava.
O rapaz concordou a respeito da amizade da tia... Mas na sequência lamentou que não sabia o que esperar do futuro, e é por isso que até pensava em prestar concurso para o posto de delegado. Talvez pudesse ingressar na alfândega como despachante...
Ele olhou para o Margaride, mas não notou sinal de que este pudesse revelar algo de substancial... Então prosseguiu dizendo que a tia é muito rica e que ele era o seu único parente... Era o único herdeiro...
Sendo o doutor um grande amigo do padre Casimiro, certamente conhecia detalhes do testamento de Dona Patrocínio. Mas o homem continuou em silêncio!
Uma criada do estabelecimento trouxe a bandeja e cumprimentou o doutor falando qualquer coisa a respeito de sua saúde. Margaride tocou a torrada e sentenciou que se tratava de uma “deliciosa torrada!”
Teodorico apenas concordou enquanto notava que o outro só tinha atenção para a própria mastigação e goles de chá... Então o rapaz arriscou-se a reiniciar a sondagem dizendo que, de fato, a Titi tinha-lhe amizade...
Dessa vez o doutor Margaride resolveu conversar... Disse que era verdade que o rapaz era o seu único herdeiro... Mas havia uma questão que ele parecia não saber. Havia um rival!
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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