Teodorico sujeitara-se a uma rotina perfeita... Bastava não falhar nos momentos de oração junto à tia Patrocínio! Seus “passeios honestos” eram marcados por vários instantes de prazer, mas dava a entender que cumpria as “obrigações religiosas” determinadas pela tia.
Ele retornava ao
casarão à tarde. Participava com ela das orações a São José no oratório... E
depois do jantar, diante da mesa com compotas, narrava os passeios do dia pelas
igrejas e os momentos que passara orando diante dos “altares iluminados”.Nessas ocasiões, Vicência sempre se posicionava entre as duas janelas da saleta. A parede atrás dela sustentava um retrato de Pio IX e também o “velho óculo de alcance” que pertencera ao comendador Godinho, uma relíquia. A criada se encantava com tudo o que era dito pelo Teodorico.
Depois acontecia que, invariavelmente, a tia Patrocínio se ensimesmava. O lenço roxo caía sobre seu rosto e, de braços cruzados, colocava-se em oração.
Era a partir desse momento que Teodorico tinha permissão para espairecer um pouco fora de casa até às nove e meia.
Evidentemente o rapaz aproveitava bem esse intervalo...
(...)
Ele seguia à Rua
Madalena e, de lá, ao Largo das Caldas... Escondia-se o mais que podia, como se
ainda pudesse ser alcançado pela vista da Titi, até chegar à casa de Adélia.
(...)
O fato é que desde
que a conhecera naquela ocasião em que Silvério o conduziu à casa de Ernestina,
Teodorico passou a alimentar uma louca paixão.
Vimos o sufoco que ele passou para justificar o seu atraso à tia...
Depois aconteceu que
ele teve de retornar para o seu último ano em Coimbra, onde cursou “Direito
Eclesiástico”... A distância não diminuiu o encantamento. Pelo contrário! O
desejo de revê-la era tão intenso que o sufocava. Quantos versos escreveu em
honra da paixão que perfumava sua vida como o “mais maravilhoso lírio”?
Vimos que regressou bacharel à Lisboa...
Logo que a tia Patrocínio o presenteou com a mesada (as três moedas), Teodorico correu à Rua do Salitre... Rinchão (como o Silvério era conhecido) explicou-lhe que Adélia havia se mudado para um apartamento num prédio localizado no Largo das Caldas... Desde então, ela vinha sendo “patrocinada” por certo Euletério Serra, um tipo de posses, sócio da Serra Brito & Cia.Teodorico resolveu escrever à amada... Em resposta, ela transmitiu-lhe que podia recebê-lo ao meio-dia. Visitou-a na primeira oportunidade que teve. Levou-lhe umas pastilhas de chocolate numa caixinha enfeitada com fita azul. Ao entrar na sala, notou que estava constipada e reparou a organização dos móveis.
Adélia o reconheceu imediatamente e passou a falar-lhe de Ernestina... Pelo visto haviam rompido, pois se referia à outra como “porcalhona”. Conforme a moça fazia suas narrativas, o rapaz sentia o quanto desejava abraçá-la e, com seus beijos e abraços, curá-la do leve resfriado.
Ela quis saber da ocupação de Teodorico... Era empregado? Estava no comércio? Ele apenas falou sobre a imensa riqueza de sua tia... Os dois tinham as mãos entrelaçadas quando ele completou que se a tia “rebentasse” providenciaria uma “casa chic” para ela.
No mesmo instante, Adélia respondeu que ele se esqueceria dela tão logo enricasse. Por sua vez, Teodorico ajoelhou-se diante dela... Ela o envolveu com seu xale.
(...)
Então
aconteceu que, estando o Euletério a jogar manilha no clube, Teodorico pôde
permanecer no leito de sua amada até às nove e meia da noite... Essa “primeira
noite de prazer” terminou bem.
A despedida foi
marcada por beijos lançados por ele conforme descia a escada...
Adélia o aconselhava
a se agasalhar, dando a entender que queria que ele se cuidasse. Certamente
voltariam a se encontrar...
O retorno à casa de
Titi foi triunfante.
A
paixão que nutria pela moça só aumentaria desde então.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_20.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto
