Vivendo em sua propriedade, a quinta do Mosteiro (“antigo solar dos condes de Lindoso”, em Lisboa), aproveitou os períodos ociosos de certo verão do final do século XIX para registrá-las.
O homem antecipou que os últimos tempos haviam sido de aprendizado. Assim como ele, também seu cunhado Crispim pensava que suas memórias mereciam ser compartilhadas, pois numa época de “incertezas da inteligência” (em que se notavam cada vez mais pessoas abaladas “pelos tormentos do dinheiro”), elas eram “lição lúcida e forte” para todos os que as lessem.
(...)
A
biografia do Teodorico é marcada por traumas desde a sua mais tenra infância...
Cedo perdeu os pais e passou a ser criado pela tia D. Patrocínio das Neves, senhora
de posses que vivia na capital. Conhecida também pelo rigor religioso, a boa
mulher possibilitou exemplar formação acadêmica ao sobrinho.
Também bem cedo o jovem
percebeu as incompatibilidades entre o padrão de comportamento valorizado por dona
Patrocínio e a sua incontida vontade de experimentar os prazeres mundanos.
Não
demorou e Teodorico passou a adotar táticas de embuste que lhe possibilitavam
aproveitar o “bom da vida” sem que pudessem notar suas depravações. À tia
mostrava-se atento às coisas da religião e afeito às orações, celebrações diárias
e festividades santas.
E foi assim que dona Patrocínio passou a tê-lo na mais alta consideração.
(...)
Antes das
festividades de Santo Antônio em 1875, Teodorico sofreu grande desilusão
amorosa. E foi por essa ocasião que a tia incumbiu-lhe de uma viagem à Terra
Santa (uma romagem). É ainda na referida apresentação que somos informados que
o rapaz se dirigiu a Jerusalém.
Ele
dá a entender que a ocasião possibilitou-lhe acompanhar os fatos que se deram
no estafante mês de Nizam (ou Nisã, que coincide com parte dos dias de março e
abril de nosso calendário).
A viagem foi espetacular! O moço garante que
conheceu uma Jerusalém dominada pelos romanos! Na ocasião, Pilatos exercia a
função de “procurador da Judeia” e J. Caifás era o sumo pontífice!
Ele cita ainda o “legado
imperial da Síria” (governador da Síria), certo Élius Lama... Como que “por
milagre”, Teodorico presenciou os acontecimentos que marcaram o processo que
levou Jesus à pena de morte!
(...)
Recolhido à quinta do Mosteiro, no conforto de seus dias iluminados
pelos exuberantes raios solares e com a sobriedade e sinceridade dos que
aprenderam com os ensinamentos da vida, Teodorico Raposo iniciou seus
registros.
Teve por testemunha as andorinhas que plainavam sobre seu telhado... E
também “as moitas de cravos do pomar” que perfumavam a atmosfera de sua
propriedade.
A jornada ao Egito e à Terra Santa foram o “ponto
alto de sua vida”. Só mesmo um manuscrito poderia torná-la “monumento airoso e
maciço”. E isso garantiria sua passagem para a posteridade.
(...)
Por que sucederam-lhe
tais episódios? O que o futuro lhe reservava?
Precisamos saber os motivos de sua romaria... Temos de conhecer o que
esse Teodorico desejava vivenciar após o retorno às terras lusitanas... O que
ainda faltava suceder-lhe?
“A Relíquia”, de Eça de Queiroz, leva-nos a conhecer o polêmico
personagem. O texto detalha e descreve de modo impressionante pessoas e
locais... A leitura nos transporta aos tempos da “existência” do Teodorico.
A
leitura nos dá o “bilhete” para a espetacular viagem.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto