Os dias de verão que se seguiram foram maravilhosos para o Raposão...
Seu caso de amor teve prosseguimento sem que a tia Patrocínio desconfiasse de suas aventuras.
Aliás, cada vez mais, ela o tinha em boa conta... Até deu-lhe uma casaca para que pudesse participar dos eventos das “altas rodas” sociais!
(...)
Teodorico
estreou a roupa de gala no teatro São Carlos, onde estava sendo encenada o
“Poliuto”, de Gaetano Donizetti... O doutor Margaride havia recomendado a
ópera, marcada por “sentimentos religiosos” e repleta de “elevadas lições”...
No dia seguinte,
Teodorico contou à tia tudo o que vira e ouvira... Inclusive a respeito da
ilustre plateia... Ninguém menos do que o barão de Alconchel cumprimentou-o e o
tratou “com muita consideração”.
Tia
Patrocínio aprovou o que ouviu... O Raposão notou suas expressões... É por isso
que aproveitou para inventar uma situação em que dava a entender que possuía
mesmo elevada moral...
Ele disse que, entre
os que assistiam à peça, havia “uma senhora imodesta, nua nos braços, nua no
peito, mostrando toda essa carne, esplêndida e irreligiosa”... depois expressou
“seu julgamento” que se resumia à mais completa aversão. Disse à tia que
sentiu-se enojado, pois a postura da mulher era mesmo vexatória.
(...)
Por aqueles dias,
Teodorico conseguiu muito mais da tia Patrocínio.
Certa noite, chegou
ao oratório e a encontrou já a cochilar.
O rapaz pretendia
encenar mais uma vez o seu momento de devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Surpreendentemente, a tia sussurrou que ele podia ir ao São Carlos para ouvir
música, se isso fosse de seu interesse... Ela mesma justificou a “liberalidade”
ao emendar que já o considerava homem formado, dotado de bons propósitos...
Então podia retornar “às onze e meia”.
Ele entendeu perfeitamente que deveria regressar para o terço da noite...
Depois de ouvi-la com atenção, disse que jamais perderia o “querido terço”...
Nem mesmo se fosse convidado para um chá no paço com o rei.
(...)
Só mesmo Teodorico sabia o quanto havia se esforçado para conseguir a
confiança da tia Patrocínio. Muito teve de adulá-la... E muito encenou para dar
a entender que se tratava de devoto convicto.
Ela mesma confiara ao padre Casimiro que estava
convencida da religiosidade do sobrinho, e de que ele “não andava atrás de
saias”.
(...)
Neste ponto temos de
entender que, para a tia Patrocínio, fora da Igreja não havia salvação para as
pessoas... Seu pensamento era o de que todos viviam numa permanente caça “às
calças e às saias”.
Teodorico concluía que não podia ser de outra forma... Aquela mulher
jamais experimentara o amor de um homem! A vida inteira devotara-se às orações
e aos jejuns... Ela transpirava religiosidade! Por isso reprovava o amor entre
as pessoas. Para ela, os relacionamentos amorosos eram profanos! Só enxergava
sujidade nas relações! Até os rapazes que se mantinham sérios, que amavam
seriamente suas parceiras, e que alimentavam propósitos honestos de constituir
família, para ela, eram “uma porcaria”.
A mulher era mesmo exagerada...
Quando
ficava sabendo de alguma gravidez ou parto não conseguia esconder sua
aversão... De acordo com Teodorico, a tia Patrocínio achava “a natureza obscena
por ter criado dois sexos”... E também isso explica a razão por ter permanecido
solteirona.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_88.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto