Tertuliano pediu desculpas, mas não deixou de sentenciar que o Senso Comum não passava de um “ente” reacionário.
Obviamente o diálogo só podia se dar silenciosamente porque se tratava de uma “troca mental” de ideias... O Senso Comum respondeu que mais cedo ou mais tarde todos acusam e são acusados de serem tipos conservadores... O professor quis devolver que, se assim era, então a afirmação devia valer para todos.
O Senso Comum explicou que “estar de acordo nem sempre significa compartilhar uma razão”... Acrescentou que normalmente as pessoas “se acomodam à sombra de uma opinião como se ela fosse um guarda-chuva”.
A conversa se encerrou por aí... O Senso Comum se retirou... O assunto que o levara a reaparecer fora completamente alterado. A retirada nada tinha a ver com derrota na troca de argumentações. Talvez tenha percebido o equívoco ao citar a “invenção da roda”, já que certamente as consequências do episódio não foram todas positivas... E o que dizer sobre o que se sucedeu após a invenção da bomba atômica?
(...)
O cansaço da noite anterior estava pesando... A cerveja o deixava ainda
menos concentrado...
Será que o Senso Comum aparecia sempre em seus momentos de
fragilidade física e mental?
Tertuliano pensou em deitar-se. Mas avaliou que despertaria
novamente depois de umas duas horas... Apesar do adiantado da noite, decidiu começar
assistir ao “A Morte Ataca de Madrugada”. Se a sua “cópia viva” não aparecesse
no filme teria apenas de conferir as listas e atualizar os cortes de nomes.
O ator secundário fazia o papel de auxiliar de enfermagem. O professor
de História ficou ainda mais impressionado ao ver o tipo sem bigode... A
semelhança era ainda mais evidente e isso o fez suar...
Assistiu até o fim e pôde eliminar mais um nome.
Deitou-se... Leu duas páginas sobre os amorreus... Antes que perdesse a
consciência ainda pensou no colega de Matemática... Certamente não teria como
se justificar a respeito de sua reação no corredor da escola. O tipo havia
colocado a mão sobre seu ombro e lhe virado as costas... Paternalismo, desprezo...
Talvez fosse melhor não voltar à carga, já que “há coisas que nunca se poderão
explicar por palavras”...
(...)
Saramago “filosofa” a respeito do último juízo acerca das palavras... Ou
melhor, de acordo com os seus dizeres, faz uma “ramalhuda reflexão” sobre “palavras”...
No passado mais remoto elas eram bem poucas e não davam conta de
expressar todos os fenômenos, atitudes, gestos e manifestações diversas das
pessoas em seus relacionamentos...
Na verdade não se pensa
nisso... Bem diferente havia sido o conteúdo da conversa com o Senso Comum... A
roda foi inventada e passou a existir para “todo o sempre”, auxiliando os
homens em seus diversos afazeres... Um dia a maçã caiu sobre a cabeça de Newton
e a “Lei da Gravidade Universal” foi formulada... Também a bomba atômica foi
inventada...
As palavras... Inúmeros
vocábulos foram criados! As pessoas nem se dão contam do imenso trabalho que isso
deve ter dado... E ainda há as significações que normalmente são resultado de
arranjos culturais, produto das demandas dos variados relacionamentos
humanos...
(...)
É de manhã...
Ele sabe que se aproxima o momento de as pessoas se
retirarem para o trabalho... Saber que Maria da Paz poderá passar mais um dia
sem nenhuma satisfação de sua parte o angustiou... Não conseguiu pensar sobre
seus equívocos, “erros ou pecados” no relacionamento, mas entendeu que não era
justo que a moça vivesse outro dia de dor e incerteza... Isso não era justo.
Era certo que a moça voltaria a ligar se ele não lhe telefonasse... Certamente
isso aumentaria o seu mal estar.
(...)
Tertuliano não era um tipo
desprezível... Possuía boas qualidades... Não se pode dizer que esbanjasse autoconfiança,
além disso, quanto aos sentimentos, era vacilante... Suas relações não eram
duradouras ou sólidas.
Seu divórcio, por exemplo,
havia sido resultado de uma “distração ou indiferença” em relação ao casamento.
Ele foi tomado por essa apatia e não esboçou nenhuma reação... A esposa, que
era um tipo decidido, sentenciou que “apenas por covardia” permaneceria ao seu
lado. Este não era o seu caso. Ele não se opôs.
Experimentara a relação com Maria da Paz...
Tinha de decidir-se. Não podia viver a esconder-se dela. No mínimo essa atitude
não revelava maturidade suficiente para romper ou comprometer-se de uma vez com
a moça.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-em.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto