segunda-feira, 12 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – organizando os filmes “de trás para frente”; o tamboril, um peixe rejeitado por Tertuliano; das informações enciclopédicas e das significações e sentidos das palavras de nosso repertório; “Um homem como Qualquer Outro” não tinha a participação do ator secundário, “cópia fiel” de Tertuliano

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_11.html antes de ler esta postagem:

O apartamento estava muito bem arrumado... Era sempre assim... Os dias em que a vizinha do andar de cima aparecia para a faxina se tornavam especiais porque quarto, banheiro, sala,
cozinha e sala ficavam na mais perfeita ordem... Aromas de limpeza intimidavam o morador, que se sentia culpado por logo voltar a sujar e a desorganizar tudo. Pelo menos nos dias de limpeza, Tertuliano evitava funcionar o fogão e outros utensílios... Por isso comia num restaurante das proximidades.
Sobre a mesinha de centro da sala empilhou os trinta e seis filmes... Lembrou-se dos três que estavam na gaveta da escrivaninha e avaliou a grandiosidade da tarefa que tinha pela frente.
Acaso poderia desejar tal empreitada ao pior dos inimigos? Nem isso podia fazer, pois desconhecia inimigos... Assumiu o método de ordenar as fitas de acordo com o ano de produção, da mais antiga a mais recente. A grande quantidade de caixas o impediu de enfileirá-las sobre a escrivaninha, então as ajeitou no chão, junto à estante.
Dessa forma, o filme “mais à esquerda” (o mais antigo) era o “Um Homem como Qualquer Outro”, já o mais recente chamava-se “A Deusa do Palco”... Se houvesse coerência entre essa disposição e o modo de Tertuliano pensar a pesquisa e ensino de História, a organização dos filmes seria invertida... Mas isso é outro assunto. Teríamos de tratar da tendência que temos a guiar-nos pelas orientações mais tradicionais, ainda que façamos apologias da subversão da metodologia.
(...)
Isso de “comer fora” nos dias em que o apartamento passava por limpeza possibilitava ao professor variar o cardápio do jantar...
Então, como da última vez havia se alimentado de carne, dessa feita saiu com o firme propósito de comer peixe.
Mas não foi bem assim. O restaurante oferecia tamboril, uma espécie que o professor não apreciava por diversos motivos...
Saramago apresenta definições coletadas de uma enciclopédia por seu personagem: “bentônico animal marinho que vive em fundos arenosos ou lodosos, desde o litoral aos mil metros de profundidade, um bicho de enorme cabeçorra, achatada e armada de fortíssimos dentes, com dois metros de comprimento e mais de quarenta quilos de peso”...
Não havia sequer uma característica do tamboril que pudesse ser apreciada por Tertuliano e seu paladar. Por muito tempo ele rejeitara os nacos da iguaria sem conhecer as definições coletadas no livro... No entanto ao retornar para casa, e antes que se pusesse a assistir aos filmes, precisou resolver a curiosidade no livro referido anteriormente.
(...)
Na sequência de seu texto, Saramago trata da relação que as pessoas têm com as palavras... Algumas delas incorporadas ao nosso repertório desde a mais tenra idade... Para muitas delas nem temos o significado, e mesmo assim as vamos usando (mais ou menos satisfatoriamente) no decorrer de nossas existências.
Mas nunca é tarde para conferirmos a significação e o sentido das palavras... O próprio Tertuliano poderá responder de modo mais categórico aos garçons que lhe oferecerem tamboril para a refeição...
O autor parece se divertir com a possibilidade de uma de suas negativas futuras: “Tamboril? O quê? Esse horrendo bentônico que vive em fundos arenosos e lodosos? Nem pensar!”.
(...)
É verdade. O professor esteve a pensar a respeito dessas situações relativas ao tamboril, a riqueza das palavras, suas significações e sentidos... E também sobre uma resposta carregada de justificativas para rejeitar o prato que sempre lhe causou repugnância.
Antes que se dispusesse a colocar “Um Homem como Qualquer Outro” no aparelho de vídeo, Tertuliano não fizera nada de muito relevante... Saramago dá a entender que andou a “preencher linhas” com o tamboril e as informações enciclopédicas também para ilustrar a inoperância de seu personagem.
(...)
“Um Homem como Qualquer Outro” rodou por uma hora sem que o ator secundário aparecesse... O professor deduziu que ele não participara da produção, então fez a fita avançar até o final... Leu os nomes que apareceram nos créditos.
Depois excluiu aqueles que se repetiam em sua lista.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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