Tertuliano sugeriu que almoçassem juntos... Maria respondeu que não havia nenhum impedimento... Sempre esteve disponível para encontrar-se com ele...
A ocasião era perfeita... Havia dito à mãe que precisava sair um pouco e que não retornaria para almoçar... Tertuliano quis saber se ela tinha premeditado a visita desde que saíra de casa. Maria explicou que tomara a decisão de visitá-lo só depois, quando estava caminhando como que a passear pela cidade.
Ela perguntou se tudo continuaria “nas mesmas” entre eles... Claro! Essa foi a resposta do professor... Maria o agarrou novamente para roubar-lhe ardentes beijos.
(...)
Nesse momento uma desconhecida voz “falou” para
Tertuliano... Somos tentados a imaginar que fosse o seu Senso Comum, mas
Saramago não deixa isso claro.
A “entidade” queria saber se estava tudo bem... Se Deus o havia ajudado
a resolver os problemas... O rapaz explicou que “valeu a pena” e que estavam
saindo para almoçar.
A voz quis saber se não tocariam mais no assunto...
Tertuliano perguntou qual seria o assunto... Evidentemente o da decisão do
rompimento... Respondeu que já haviam tratado a esse respeito.
Incisivamente, a voz replicou e garantiu que não estava nada resolvido
entre os dois... O professor insistiu e mais uma vez disse que sim, estava tudo
resolvido!
Se assim era, não havia mais nenhuma nuvem na situação... Era isso
mesmo! Tertuliano manteve-se firme ao dizer que “as nuvens acabaram”...
A desconhecida voz perguntou se não voltaria a pensar em romper o
relacionamento... Tertuliano respondeu que deixava “para amanhã o que ao amanhã
pertence”...
Uma filosofia! Para Tertuliano, a melhor! Porém a voz lembrou que tudo
está tranquilo “desde que se saiba o que é que pertence ao dia de amanhã”.
Quem podia conhecer isso?
Enquanto não vivermos o dia de amanhã não teremos condições de saber o que a
ele pertence... Esse foi Tertuliano, que “tinha resposta para tudo”.
Essa última observação foi
da voz que só ele podia ouvir... Para se justificar, o rapaz disse que também ela
(a voz desconhecida) teria resposta para tudo “se se encontrasse na necessidade
de mentir” como ele próprio.
A voz despediu-se e
desejou-lhe boa refeição... Perguntou ainda o que Tertuliano faria após o
almoço... Muito simples... Levaria Maria para casa e depois retornaria ao
apartamento para assistir aos filmes.
(...)
Eram mais de cinco da tarde quando Tertuliano voltou para casa...
Estava chateado por ter
perdido tanto tempo de um sábado que poderia ter rendido boas horas em frente à
tela.
Devia assistir ao “De Braço Dado com a Sorte” ou ao “Os
Anjos também Bailam”... Mas resolveu “saltar” os dois. Essa subversão à regra
que ele mesmo havia estabelecido o impediu de saber que o ator secundário, sua “cópia
viva”, atuava nos dois filmes... No “De Braço Dado com a Sorte” vivia um crupiê,
enquanto que em “Os Anjos também Bailam” fazia o papel de um professor de
dança.
Resolveu assistir “A Deusa do Palco”.
Para a sua surpresa, mal se
passaram dez minutos e o tipo surgiu no papel de um empresário do teatro...
Tertuliano ficou a pensar sobre a grande transformação na carreira do ator...
Por anos o camarada atuara em papéis minúsculos (empregado
de recepção num hotel, caixa de banco, auxiliar de enfermagem, porteiro de boate
e fotógrafo da polícia).
Depois de meia hora de filme, Tertuliano não suportou a curiosidade e
avançou a fita para ler a relação dos atores secundários... Mas nenhum dos
nomes que tinha em sua lista aparecia nos créditos...
Retornou o filme para o ponto em que a obra é
apresentada e leu que Daniel Santa-Clara atuava no papel de “empresário teatral”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-um.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto