domingo, 28 de agosto de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – coletando e excluindo nomes de artistas secundários de “O Código Maldito” e “Passageiro Sem Bilhete”; um telefonema; discussão sobre curiosidade com o Senso Comum

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/08/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-mais.html antes de ler esta postagem:

Antes de colocar “O Código Maldito” no aparelho de vídeo, Tertuliano repassou o final de “Quem Porfia Mata Caça” para copiar os nomes registrados nos créditos... Entre eles estava o do artista secundário cuja aparição estava transtornando sua existência. Se ao lado de cada nome masculino constasse também o papel de cada um no filme o trabalho do professor seria facilitado. Mas infelizmente não era assim.
A cada filme assistido, a intenção era a de fazer as anotações tendo o ator aparecido em alguma cena ou não... É claro que, relacionando todos os nomes, poderia comparar com a lista de “Quem Porfia Mata Caça”. Naturalmente nomes dos que atuaram em filmes onde o seu “retrato vivo” não tinha participação seriam eliminados até que restasse apenas o do próprio.
Neste ponto da escrita, Saramago faz um registro sobre o método e a organização de Tertuliano, algo que conservava “de família” e que mantinha o caos afastado.
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E não é que o “retrato vivo” apareceu em “O Código Maldito”?
O tipo fazia o papel de um caixa de banco... Num trecho específico do filme ele sofria a ameaça de um assaltante armado... Provavelmente preocupado em fazer com que notassem seu talento, exagerou na reação de pânico... Na sequência, sob a feroz ameaça, abriu o cofre, retirou valores que colocou na bolsa do bandido.
Ele apareceu mais duas outras vezes... Primeiro respondendo perguntas feitas pela polícia... Depois quando o gerente o retirou da função devido ao trauma de enxergar potenciais assaltantes em todos os clientes.
Diferentemente da ocasião em que se chocou ao assistir ao “homem idêntico” em “Quem Porfia Mata Caça”, dessa vez Tertuliano estava calmo e mentalmente ocupado com sua metódica caçada ao nome... Fez os registros e constatou que podia eliminar apenas dois.
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Ainda tinha tempo para dedicar ao próximo filme, o “Passageiro Sem Bilhete”. Não eram horas de jantar e, além disso, sequer sentia fome.
O “Passageiro Sem Bilhete” rodou até o final sem que se notasse participação do figurante... Não se pode dizer que Tertuliano perdeu tempo com este filme porque graças a ele alguns nomes das duas primeiras listas foram riscados.
E era assim mesmo, por exclusão, que chegaria ao nome do ator.
Afinal, o que pretendia com todo esse trabalho? Até este ponto não se tem ideia da intenção última do professor de História... Mas o seu primeiro objetivo estava tão longe de ser alcançado que o “segundo passo” podia ser pensado posteriormente.
(...)
O telefone tocou.
Tertuliano descartou a possibilidade de ser o colega de Matemática... Provavelmente fosse a insistente namorada... Também podia ser uma chamada da mãe que, vivendo no interior, procurava manter os laços com o filho professor na cidade grande.
O aparelho parou de tocar e o mecanismo da secretária eletrônica foi acionado automaticamente... Ele não esboçou nenhuma curiosidade. Em vez de ouvir a gravação, seguiu para a cozinha, preparou um lanche e serviu-se de mais uma cerveja.
(...)
Enquanto se alimentava, Tertuliano tentava pensar sobre os últimos acontecimentos... Era certo que seu cansaço mental impossibilitava o pleno exercício da consciência.
Não demorou e o Senso Comum reapareceu perguntando-lhe se estava feliz com a decisão que havia tomado...
O rapaz respondeu que o procedimento que adotara não tinha relação com busca da felicidade ou qualquer outro tipo de satisfação... Acrescentou que até onde sabia a felicidade não era criação do Senso Comum.
O Senso Comum explicou que a maioria das situações em que nos metemos só avança para circunstâncias complicadas quando nós mesmos as impulsionamos... O professor quis argumentar que a curiosidade levou-o a buscar outros filmes da produtora e a fazer a investigação.
A curiosidade não é condenável... O Senso Comum destacou que as atitudes curiosas tinham sua origem no próprio Senso Comum... Então se iniciou uma discussão, já que para Tertuliano aquilo era incompatível.
O Senso Comum deu como exemplo a invenção da roda... Apenas “uma enorme quantidade de senso comum é que teria sido capaz de a inventar”... Tertuliano quis saber, então a respeito da invenção da bomba atômica...
Sem dúvida grande quantidade se senso foi necessária para a construção do artefato bélico... Mas, de acordo com o Senso Comum, nesse caso da concepção de algo com tamanho poder de destruição, “não havia nada de comum no senso” utilizado por seus executores.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto 

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