domingo, 11 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – sensação de inconveniente “presença plasmática” no gabinete do diretor; a professora de Inglês e seu interesse pelas considerações e enfoque diferente no ensino; segundo o de Matemática, sua área de conhecimento está cheia de empecilhos para a mudança; das improvisações durante as aulas do período da tarde

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_10.html antes de ler esta postagem:

O diretor sentou-se à mesa com os seus três professores...
Solicitou a Tertuliano Máximo Afonso que repetisse aos colegas o que havia lhe dito na diretoria... O rapaz não esperava a iniciativa do chefe e chegou a perguntar-lhe qual era o assunto.
O diretor confirmou que gostaria de ouvi-lo falar a respeito de sua revolucionária concepção do ensino de História. Nesse mesmo instante, a professora de Inglês esboçou um começo de sorriso, mas o interrompeu tão logo notou o olhar sério de Tertuliano.
Depois de certo silêncio ele disse que, como se tratava de uma “concepção”, não havia nada de original e tampouco era merecedor de elogios por defendê-la. O chefe o corrigiu ao garantir que o que o havia empolgado era exatamente o seu discurso.
(...)
Neste momento Tertuliano concentrou-se e levou o seu olhar para longe dali... Sentiu-se como se estivesse saindo do refeitório... Depois subiu a escadaria e “passou” pela porta do gabinete do diretor... Era como se tivesse se transportado para lá e pudesse fixar os olhos no ambiente.
 “Retornou” com a certeza de que vira uma “entidade” que podia ser seu “outro eu” (talvez perdido no espaço e no tempo).
Para si mesmo, Tertuliano repetia que “era ele!”... O medo o dominou, mas não podia permitir que os colegas o notasse.
(...)
Olhos fixos no colega de Matemática, Tertuliano remontou as ideias e falou metaforicamente a respeito da “navegação pelo rio do Tempo acima”... Deixou de lado a expressão “rio da História”... Fez isso para impactar e dar consistência à teoria.
A professora de Inglês era toda seriedade... Já era uma senhora e seguramente contava os sessenta anos de idade... Tratava-se de uma avó, e não era do seu feitio andar por aí a fazer pilhéria e distribuir risos ao notar as mancadas dos outros. Em relação à mesmice pedagógica pronunciada pelo professor de História procurava manter postura solidária aos demais colegas, ou seja, a cumplicidade dos risinhos.
Depois que Tertuliano fez o favor de falar sobre o que o diretor gostaria, viu-se que a professora de Inglês admitiu que o conteúdo da “concepção de ensino” era interessante também para outras áreas... Por que não aplicá-la ao ensino das línguas? Disse que poderia ensinar de modo a levar os estudantes a navegarem à “nascente do rio”... Foi com certa empolgação que emendou que dessa forma talvez todos percebessem “o que é isto de falar”.
O diretor respondeu que havia especialistas que lidavam com o tema...
Podemos dizer com certeza que esse não era o caso da velha professora, que ensinava Inglês “como se não existisse nada antes”.
O de Matemática deu sua opinião usando de ironia... Disse que com a Aritmética o método não daria resultado... E exemplificou que “o número dez é teimosamente invariável, nem teve necessidade de passar pelo nove nem o devora a ambição de tornar-se onze”.
(...)
O assunto foi encerrado assim que a comida chegou à mesa.
Tertuliano voltou a pensar no “plasma invisível” que devia ter se manifestado na sala do diretor... Em silêncio cogitava que talvez não tivesse nada a ver com o “caixa do banco” ou o “empregado do hotel”... O mais provável era ele mesmo estar perdendo o juízo com aquela insistência toda em descobrir a identidade de sua “cópia fiel”...
Após o almoço a aula que ministrou tratou de temáticas relacionadas aos mesopotâmicos (semitas amorreus; Hamurabi e o código; o deus Marduc...). Nada disso fazia parte do programa... Tanto falou durante todo o tempo que os alunos, inclusive aquele que dissera que o professor “vinha com a mosca”, sentiram-se maçados.
Alguns sugeriram que o professor devia estar com um dos parafusos da cabeça espanado... Já os alunos da turma seguinte eram mais novos e pareceram empolgados com as palavras sobre o cinema na didática do estudo da História.
Ao final do dia letivo, também Tertuliano avaliou-o como negativo... Um dia “para ser esquecido”... Não levou em consideração o fato de ter conquistado o diretor e a professora de Inglês para as suas ideias reformadoras da Pedagogia... Podia ao menos pensar que a colega seria “uma a menos” a rir-se de suas palavras nas próximas reuniões.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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