quinta-feira, 22 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – telefonando para as casas de “Santa-Clara”; há outra pessoa procurando o ator; finalizando o sábado

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-um.html antes de ler esta postagem:

O professor de História resolveu ligar para os três números que a lista telefônica apontava como pertencentes a assinantes de nome Santa-Clara.
A ideia de prosseguir a investigação tornou o seu resto de fim-de-semana bem mais interessante.
(...)
Ligou para o primeiro número... Ninguém atendeu... A residência não possuía um “atendedor eletrônico de chamadas”, então nesse caso não havia o que fazer.
A chamada para o segundo número foi atendida por uma mulher... Tertuliano disse que gostaria de falar com Daniel Santa-Clara... Mentiu ao justificar a ligação garantindo que lhe indicaram que o tipo era morador da residência... A mulher respondeu que só podia ser um equívoco... Nenhum Daniel jamais morara na casa e nem mesmo em sua família havia alguém com o mesmo nome.
A mulher se expressava com certa irritação... Completou dizendo que, além de não conhecer o dito cujo, também não tinha a menor ideia de quem estava a falar-lhe... Tertuliano quis apresentar-se, mas ela disse que era desnecessário, pois não tinha o menor interesse de saber.
Ele agradeceu... Na sequência ligou para o terceiro número.
Dessa vez foi atendido por um homem que foi logo perguntando quem estava a ligar... Tertuliano disse um nome qualquer... Sem volteios, o outro quis saber o que desejavam com ele... O professor explicou e no mesmo instante ouviu no mesmo instante que não havia ninguém chamado Daniel Santa-Clara.
Tertuliano não se sentiu à vontade para emendar outras perguntas... Seu interlocutor era do tipo que não permitia delongas... Nem por isso pode se dizer que se tratasse de um mal educado com os que se equivocam ao fazer uso do telefone.
Inesperadamente, o tipo falou que há poucos dias telefonaram fazendo a mesma pergunta... Certamente havia sido outra pessoa... Tertuliano garantiu que não havia sido ele... Do outro lado da linha o interlocutor concordou, pois tinha “bom ouvido para distinguir vozes”. Todavia acrescentou que lhe pareceu, no telefonema anterior, num momento da conversa, certo esforço por disfarçar o tom de voz.
Tertuliano agradeceu e se despediu.
(...)
Acomodado na escrivaninha, Tertuliano olhou os números para os quais havia telefonado... Pensou a respeito da revelação que o último tipo lhe passara... Se, de fato, mais alguém estava à procura de Daniel Santa-Clara, era bem possível que este devia ter telefonado para os dois números anteriores...
Pode ser que, ao ligar para o primeiro número, o outro que estava à procura do ator obtivesse resposta... Também podia acontecer de a mulher do segundo telefonema ter atendido o mesmo tipo de chamada e, por ser menos tolerante aos equívocos dos que telefonam, não tenha se visto na obrigação de comentar a respeito na ocasião em que atendera à sua chamada.
(...)
Mas então... Quem estaria, como ele, à procura de Daniel Santa-Clara?
Essa era uma questão que podia provocar grande perturbação... Deu-se por satisfeito ao imaginar que fosse um credor qualquer... Arrematou que não era novidade para ninguém que “artistas e literatos” são gente dada à “vida irregular”, que não poucas vezes se metem em jogatinas e ficam a dever dinheiro... Tertuliano não era tipo que se envolvesse nos jogos, mas sabia que para os mais viciados esse tipo de dívida era “sagrada”... 
(...)
Preparou um café e enquanto bebericava voltou a pensar no primeiro telefonema, o que não havia sido atendido... Era preciso voltar à carga... Sabia que podia suceder-lhe duas situações no caso de o atenderem... Ou responderiam que não havia nenhum Daniel na casa, ou afirmariam o contrário... Se assim ocorresse, tudo o que teria de fazer era desligar o aparelho porque sua única intenção era saber do endereço do ator.
Procedeu à chamada... Aguardou até ter certeza de que não seria atendido.
Não ficou decepcionado... Pelo contrário! Fez o que estava ao seu alcance e não se acovardou quando foi atendido...
Era sábado... Então era normal que o pessoal da primeira chamada estivesse fora.
Já era hora de jantar... Ele também podia se encaminhar para um restaurante. Mas ao se recordar dos ambientes e da “permanente ameaça do tamboril“ mudou de ideia.
Pensou na simpática alternativa que conhecera na hora do almoço, quando estava com Maria... Mas desistiu ao imaginar o que os funcionários pensariam ao vê-lo retornar sozinho.
Arranjou-se comendo em casa...
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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