terça-feira, 13 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – “A Vida Alegre”, outro péssimo filme; o ator secundário em mais um papel “abaixo do irrelevante”; comparando a própria condição com a do “cópia viva”; breve intervenção do Senso Comum e seu alerta a respeito das limitadas possibilidades de Tertuliano; “Diz-me Quem És” e o cansaço bateu; formado em História não se deixa levar por projetos mais fáceis

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_12.html antes de ler esta postagem:

É claro que Tertuliano não tinha a menor condição de dizer uma palavra a respeito do filme que acabara de rodar em seu aparelho de vídeo... Sabemos que ele não era daqueles que se interessam pelo cinema... E muito menos apreciaria uma produção como aquele “Um Homem como Qualquer Outro”, típico “filme B”, um fracasso de bilheteria destinado a entreter os que não desejam “incomodar o espírito”...
Aliás, todos os filmes que chegaram às mãos do professor de História podiam ser classificados do mesmo modo... Eram medíocres mesmo.
(...)
O sacrifício fazia parte de sua determinação...
O filme seguinte foi “A Vida Alegre”...
Sem entrar em maiores detalhes, devemos destacar que, neste, a “cópia fiel” de Tertuliano apareceu... O tipo fazia o papel de porteiro de cabaré. Talvez fosse melhor chamar ao estabelecimento mundano de boate...
Não faz sentido perdermos tempo com análises desse gênero... O filme também era muito ruim... Pode-se dizer que o resultado era uma péssima referência à “Viúva Alegre”.
Estava claro que a fita cumpriu o seu papel no projeto de Tertuliano. Ele já sabia que o tipo participou da filmagem, então bastava avançar o rolo até os créditos e fazer os registros ou extrair os nomes que constavam de listas anteriores e que não apareciam neste “A Vida Alegre”.
Mesmo assim, decidiu assistir até o fim. Em seu íntimo notava uma espécie de compaixão pelo ator que aparecia abrindo ou fechando porta de carros... O tipo também levantava e baixava o boné sinalizando cumprimentos aos frequentadores da espelunca... Sem dúvida, uma péssima colocação como todas as outras que desempenhara nos filmes anteriores.
Ocorreu a Tertuliano comparar a sua condição profissional e social com a do “seu igual”... Concluiu que, dados os insignificantes papéis a que o outro se submetia, podia se gabar de sua “superioridade”.
(...)
O Senso Comum apareceu.
Comentou que o amigo devia ter mais cuidado com a soberba... Afinal, ele poderia ser ”outra coisa” além de professor? Bem podia ser que perdia muito por não ser como o outro.
Também era certo que não se tratava de uma questão de, de repente, sair por aí atuando... Possuía talento? E isso não é tudo! Será que ele imaginava que o aceitariam apresentando-se com o nome de batismo?
Tertuliano respondeu que “Máximo Afonso” não estaria mal... Então não precisaria arranjar nenhum nome com mais “apelo artístico”.
O professor dizia essas coisas ao mesmo tempo em que guardava “A Vida Alegre” na embalagem...
(...)
O próximo filme foi o sugestivo “Diz-me Quem És”.
Sobre este, convém dizer que em nada alterou a opinião de Tertuliano a respeito de si mesmo ou sobre o ator secundário... Assistiu-o até o final e procedeu às marcas já costumeiras na lista... Assim ia eliminando nomes e animava-se com a ideia de que logo sua tarefa estaria completa.
Verificou o adiantado da hora e calculou que o mais razoável seria retirar-se para a cama... Seus olhos estavam cansados... Os ossos doíam-lhe demais. Pensou que não precisava se acabar na tentativa de assistir à enormidade de fitas no mesmo fim de semana...
Ingeriu um comprimido e deitou-se... Nenhum sono avassalador o dominou... Então não demorou a entrar em reflexões sobre outro procedimento que poderia adotar sem ter de se submeter a tantas horas de filmes ridículos.
Seus pensamentos se agitaram com a possibilidade de visitar o escritório da produtora para perguntar sobre o ator que fazia papéis secundários nos filmes da empresa... Podia citar os papéis de “empregado de recepção, caixa de banco, auxiliar de enfermagem e porteiro de boate”...
Chegou ao ponto de imaginar que a ideia era das melhores... Até porque os funcionários deviam estar acostumados a receber esse tipo visita... É claro que normalmente deviam procurar os mais graduados artistas... Mas certamente não se importariam de ter de responder a respeito de um secundário (secundaríssimo!).
Porém, quando estava para mergulhar no sono, sentenciou que não mudaria a estratégia porque a visita ao escritório da produtora era algo muito simples... Seu projeto inicial tinha muito a ver com a sua formação...
Estudara História... Era um verdadeiro investigador...
Essa conclusão tem muito de soberba... Mas nem podemos culpá-lo por isso.
Seu delírio devia-se ao efeito do comprimido que o apagava aos poucos.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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