Henri saiu do escritório de Dubreuilh muito angustiado... Sentia que precisava desabafar, mas não sabia com quem... Luc se esquivaria, Paule despejaria sermões... Tinha convicção de que Robert o enganara novamente, mas não conseguiu romper de vez com ele... Precisava conversar... Dirigiu-se ao café Biard e de uma das cabines telefonou para Lambert.
(...)
O moço ficou animado com a surpresa e agradou-lhe receber Henri, por
quem nutria profunda admiração. Como o café ficava próximo, em pouco tempo
Perron estava subindo os degraus até o apartamento do rapaz... É certo que
Henri estranhava a “esquisita afeição” de Lambert, mas, pelo menos ali, ele não
seria tratado como “um peão num tabuleiro de xadrez”...
A saudação inicial revelou que
havia certa organização no ambiente... Os livros estavam acomodados de acordo
com os nomes dos autores... O rapaz usava um sweatshirt (blusão de moletom) preto
e levava um lenço amarelo amarrado ao pescoço... Sem dúvida, Henri sentiu-se
desambientado com os ares afeminados, mas acomodou-se ao aceitar “uma boa dose
de uísque”.
Lambert fez referência à inusitada presença de Perron
em seu refúgio... Admirou-se, sobretudo devido ao horário em que normalmente ele
se devotava ao jornal. Então Henri passou a falar dos seus aborrecimentos
apesar de saber que o seu anfitrião não nutria amizade por Luc... Depois de
ouvi-lo com atenção, Lambert deu a entender que concordava que havia uma
manobra em curso engendrada pelo próprio Dubreuilh para fazer com que Samazelle
participasse do jornal.
Henri deu a sua opinião sem acreditar que as coisas ocorressem daquela
maneira... Argumentou que Dubreuilh controlava L’Espoir em nome do SRL, mas não se podia dizer que o
jornalismo era coisa que lhe interessasse. Todavia pensava que havia, sim, uma
armadilha preparada contra ele... Perguntou a Lambert o que ele faria em seu
lugar.
Lambert foi incisivo ao afirmar que o jornal não devia
ser entregue de nenhum modo. Henri argumentou que sempre o ouviu dizer que
deveria se afastar da política e aquela parecia ser uma ocasião ideal para
isso. O moço respondeu que L’Espoir não se encaixava naquela advertência por
tratar-se de um projeto diferenciado (sua “aventura intelectual”)... A
conclusão era óbvia, faltava dinheiro para “passar por cima” das armações de
Dubreuilh... Então Lambert sugeriu que Henri aceitasse Samazelle e o
neutralizasse com uma aliança sólida junto a Luc.
Henri explicou que Samazelle bem poderia contar com a força de Trarieux,
inclusive, se fosse o caso de adquirir cotas de L’Espoir...
Enquanto Lambert percorria o ambiente pensando em alguma saída para o
problema, a campainha tocou. Era o Sr. Lambert, o pai de Gérard Lambert, quem chegava... Henri
quis desaparecer, mas aceitou cumprimentá-lo... Era constrangedor porque o
homem havia prestado serviços aos alemães (inclusive enviou Rosa, a namorada
judia de Lambert, à morte; sobre isso ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_2.html)... O tipo era balofo e
grisalho... Seus olhos azuis se destacavam num rosto amarelo.
O homem manifestou sua satisfação em encontrar Henri por ali... Disse
que tinha muita curiosidade de vê-lo e que o considerou bem moço...
Principalmente porque conhecia tantos comentários fortes, envolvidos em
seriedade, sobre ele.
O rapaz ofereceu algo para que o pai bebesse. O Sr.
Lambert recusou e fez comentários sobre a instalação satisfatória e também
sobre a extravagância do filho ao se vestir... Sabendo que o velho se referia
ao sweatshirt combinando com o lenço amarelo, Lambert respondeu que cada um tem
o seu gosto... Os três silenciaram e Henri aproveitou a deixa para se despedir,
garantindo que estava bastante atarefado.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/11/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_11.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto