Henri não permitiu que o socorro financeiro proporcionado por Vincent prosseguisse... Decidiu que a “letra de câmbio” que venceria dali a dez dias seria paga com algum empréstimo que viesse da parte do milionário Trarieux... Dessa feita foi a vez de Luc lamentar, já que entendia que o jornal estava quase recuperado financeiramente, necessitando apenas de mais um mês de “fôlego”... Por sua vez, Perron explicou que a situação era de emergência porque além de a tiragem não se tornar significativa, corriam o risco de o burguês mudar de ideia...
Henri confiava na negociação intermediada por Dubreuilh e, assim, explicou a Luc que não faria diferença receber o dinheiro de Trarieux porque havia a garantia de que “continuariam tão livres quanto antes”... Mas Luc tinha certeza de que não seria mais a mesma coisa... Ele até “se divertia” com as pressões financeiras do jornal...
(...)
Dois dias depois dessa
conversa, Henri se dirigiu ao escritório do homem de negócios... O escritório
do industrial era carregado de livros. Trarieux o cumprimentou lembrando-se dos
tempos da ocupação, quando estiveram “muito próximos e nunca se viram”... O
tipo citou Verdelin e Henri disse que o conhecera... O anfitrião teceu elogios
ao “notável Verdelin” e completou dizendo que graças a ele havia conhecido
Samazelle... “Tempos em que os valores humanos importavam, e não o dinheiro”...
E emendou a sua máxima de “utilizar o dinheiro na defesa de certos valores”.
Foi a deixa para que Henri entrasse no assunto que o
levava até ali... Citou Dubreuilh e perguntou se ele havia lhe explicado as
condições para que L’Espoir recebesse verba de sua parte. Trarieux ouviu o
rapaz sem demonstrar fraqueza ou generosidade... Henri calculava que o vínculo
do outro com a esquerda devia-se mais a uma manobra oportunista.
O burguês disparou que era um homem de negócio cuja experiência sabia
lidar com mudanças bruscas... Garantiu que “o curso dos acontecimentos pode ser
desviado” (evidentemente referia-se à decadência financeira do jornal e aos
ajustes que ele defendia para que “seu investimento” desse resultado). Seguiu
explicando que tinha interesse em fazer com que a tiragem de L’Espoir se
reerguesse, recuperando a audiência, pelo que representava.
Essas palavras foram ouvidas por Henri, que reconhecia
nelas o mesmo discurso de Samazelle. Então respondeu que ele se esforçava para
que a recuperação ocorresse a partir de reportagens e entrevistas do interesse
de grande público... Trarieux respondeu que concordava com o encaminhamento a
que Henri demonstrava disposição, mas apresentou sua objeção... Ele explicou
que “Luc era um ninguém”, não se tratava de um tipo conhecido no meio
jornalístico e, além disso, não produzia materiais expressivos... É claro que
ele fez questão de destacar que, bem ao contrário, Henri tinha grande
popularidade...
Perron foi enfático ao manifestar que não concordava. Disse que o jornal
pertencia a ele e Luc, que considerava um excelente jornalista... Trarieux
perguntou se não haveria a possibilidade de comprar a parte de Luc, e isso foi
rejeitado imediatamente, pois Henri deixou claro que, além de não aceitar o encaminhamento
da proposta, garantiu que Luc também não aceitaria... L’Espoir era, em síntese, uma
parceria entre os dois e, assim sendo, o burguês deveria decidir-se por
financiar ou não o jornal, sem “meio-termo”.
Trarieux respondeu que entendia a associação entre os dois amigos, mas
acrescentou que não via nenhuma dificuldade na entrada de Samazelle na direção
do jornal... Foi nesse ponto que Henri entendeu por que Samazelle se
interessava pelas finanças do periódico.
Perron explicou que o protegido de Trarieux já
tinha acesso ao jornal e podia escrever o quanto quisesse. O empresário
argumentou que era ele próprio quem desejava ver o rapaz no comando do jornal.
Disse que Samazelle agregaria ainda mais popularidade ao L’Espoir... E mais que
isso... O burguês chegou a enaltecer a união dos dois nomes (Henri Perron e
Jean-Pierre Samazelle) enquanto eficaz “razão social”... Na sequência revelou o
que projetava ao dizer que esperava liquidar as dívidas do jornal, ficando com
a metade de suas cotas... A outra parte ficaria para os três rapazes... As
decisões seriam encaminhadas a partir da opinião da “maioria”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/11/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-na.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto