No dia da assinatura do contrato, Paule puxou assunto com Henri. Depois de acender a lareira, perguntou se estava mesmo decidido... Ele respondeu que as mudanças eram certas, principalmente porque não tinha escolha... Paule retrucou, disse que sempre há escolhas, e que, no limite, ele poderia ir embora... Completou o seu raciocínio garantindo que “seria mais elegante” se ele se fosse. Henri respondeu que desprezava a elegância... A moça respondeu que em tempos anteriores (cinco anos atrás) ele não teria hesitado em partir...
A conversa não era das mais amistosas... De repente ele disse que havia aprendido muitas coisas em cinco anos... Paule perguntou se “pactuar” e “transigir” seriam parte de seu aprendizado... Ele respondeu que já havia lhe explicado as razões de tudo... A moça desabafou dizendo que ele escolhera os caminhos mais difíceis ao almejar “a solidão e a pureza”... Gritou com ele... Exigiu que não renegasse o passado... Ele não concordou com a sua opinião... Ela insistiu que ele renegava a si mesmo, traía a si mesmo... E sentenciou que sabia quem era o responsável por aquele resultado trágico.
Paule referia-se a Dubreuilh. Henri simplesmente discordou, garantindo que não o levavam a fazer o que não desejasse... Ela quis dizer que ele estava muito mudado, que não lembrava o Henri de outrora... Disparou que nem ele mesmo poderia estar certo ao garantir que continuava a mesma pessoa... Ele a advertiu sobre a “inutilidade de procurá-lo no passado”, já que era real tanto no presente quanto no passado.
Ainda irritada, Paule garantiu que sabia onde encontrar a verdade que os vinculava e que a manteria “contra tudo”. Henri aproveitou esse juízo e disse que aquilo não terminara a discussão dos dois... Disse que ele estava mudado, que todos mudam, as ideias e os sentimentos também mudam, e ela precisava admitir essa realidade.
Paule explodia... As lágrimas vinham-lhe aos olhos... Disse que sofria com aquela discussão e que não lutaria contra ele nem que fosse forçada... Explicou que também ela possuía uma missão e que a cumpriria... Não permitiria que ele fosse desviado de si mesmo... Henri quis arrematar a conversa ao dizer que o resultado do desentendimento entre ambos era o ódio que um acabaria nutrindo em relação ao outro... Paule, completamente submissa, respondeu que até o ódio do amado ela suportaria.
Aquilo foi demais para Henri... Ele encolheu os ombros, silenciou e dirigiu-se ao quarto enquanto pensava que devia por um fim a tudo aquilo.
(...)
Como o SRL deu apoio às
reivindicações de Thorez (novembro), L’Espoir voltou a contar com grande número
de leitores nas fábricas... Comunistas e o pessoal de Dubreuilh pareciam
exercer suas militâncias em harmonia... Mas aconteceu de Perron redigir um
artigo com críticas à aprovação do PC aos “cento e quarenta bilhões de créditos
militares”... E Samazelle destacou as diferenças entre eles (os comunistas) e
os socialistas em relação às três potências mundiais de então (evidentemente
Estados Unidos, União Soviética e Inglaterra)...
(...)
Logo os comunistas se infiltraram no SRL para fazer oposição e
desorganizá-lo... Samazelle defendeu a ruptura com os vermelhos, inclusive
transformando o SRL em partido
político com o lançamento de uma candidatura própria para as eleições de
junho... Essa proposta não foi aprovada, mas aceitaram que fariam uma campanha
contra os comunistas... Dubreuilh deixou claro que a ideia não era enfraquecer
o PC, mas forçá-lo a mudar sua linha de atuação... Estava claro que as opiniões
do “alto clero” do SRL não
sensibilizava o PC, mas esperava-se que as pressões de sua base fossem levadas em
consideração... O SRL, de acordo com
Dubreuilh, orientaria o povo a votar nos partidos de esquerda, todavia
estabeleceria condições... Contava, inclusive, com as críticas dos
trabalhadores em relação aos comunistas... Faltava “canalizar o descontentamento”
e sistematizar as reivindicações. Dubreuilh esperava que, assim, os dirigentes
do PC mudariam a atitude.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/11/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_20.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto