De fato, o sono de Henri foi carregado de “fragmentos do dia” e do sentimento adverso em relação a Dubreuilh... Sua primeira ideia ao despertar era uma só: largar tudo... Não entraria em detalhes com ele... Iria se retirar para o campo, voltaria a escrever e seria um leitor comum de L’Espoir... Assim, passou a considerar seriamente que o melhor que poderia ocorrer era Lambert aparecer sem qualquer ideia satisfatória para a situação.
(...)
Às dez da noite o rapaz chegou ao escritório do jornal... Agradeceu a
atenção que Henri dera ao senhor Lambert no dia anterior... Perron disse que
também se interessava em conhecer o velho... Por algum tempo falaram a esse
respeito... Henri dizendo que ele ainda devia guardar algum encanto do passado,
Lambert revelando que o pai se tratava de um tipo muito difícil de lidar,
autoritário mesmo.
Lambert perguntou se havia
alguma novidade a respeito do jornal... E já emendou que a intromissão de
Trarieux significaria o fim dos projetos de Henri e Luc... A ideia que trazia
era a sua entrada no negócio. Ele tinha dinheiro suficiente para se tornar
sócio tanto quanto Samazelle e, no caso das decisões, seu voto contaria junto
com os de Henri e Luc contra os outros dois.
Henri se surpreendeu com a ideia de Lambert, sobretudo
porque sabia que ele não era do tipo que se empolgava com jornalismo. E ainda
havia a questão da afinidade política, campo em que não se entendiam
plenamente... Mostrando decisão, Lambert disse que o jornal havia sido
importante para ele, e que política era o que menos importava quando o que
estava em jogo era a continuidade do trabalho do amigo.
Trarieux concordaria? Henri esclareceu que o outro deveria ficar grato
por poder contar com um repórter tão competente quanto ele... Em todo caso, a aceitação
do nome de Samazelle implicava reconhecer que ele também não deveria impor
objeções em relação a Lambert.
Na sequência dessa conversa, em que Lambert notou
pouca empolgação de Henri, os dois seguiram de motocicleta para a Rua Lille,
onde Victor Scriassine vivia na casa de Claudie Belzunce... Lambert quis saber
se Henri via Scriassine com frequência, e se aquele tipo dormia com Claudie.
Ele respondeu que umas poucas vezes via Scriassine, pois o mais comum era não
atender aos seus chamados... Disse também que a granfina hospedava escritores e
artistas com frequência e não dava para saber se ela escolhia alguns deles para
levar para a cama.
(...)
Na garupa da motocicleta, Henri pensava sobre a proposta de Lambert.
Algo sem reivindicações... O moço era movido simplesmente pelo desejo de ajudá-lo,
e ele sequer agradeceu. Mas também refletia sobre a opção de largar tudo e
desvincular-se de vez de Dubreuilh...
(...)
Logo chegaram à mansão e Lambert despediu-se... Henri insistiu que o
acompanhasse ao encontro, pois, além de encontrar conhecidos, havia a
possibilidade de seguirem a uma boate cigana para continuarem a beber e a
conversar.
A casa de Belzunce estava bem iluminada... Ouviam jazz... Foi o próprio
Scriassine quem os recebeu... Ele já foi explicando que Claudie oferecia um
coquetel e que a casa estava cheia. Não manifestou nenhuma objeção em relação à
presença de Lambert... Estava descontente com a euforia do lugar repleto de “gigolôs”,
mas garantiu que logo poderiam se retirar...
Não demorou e toparam com Louis Volange e Huguette... Eles
cumprimentaram Henri, que se deteve na observação dos conservados traços de
Volange... Recordou-se do passado marcado pela ocupação nazista e dos “textos
complacentes” escritos por ele na zona livre...
De relance, Perron lembrou-se do quanto gostaria
de quebrar a mandíbula daquele tipo, que falava de seu contentamento ao vê-lo e
sobre o seu desejo de trocar umas ideias...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/11/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_13.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto