Dubreuilh dera a sua opinião a respeito de uma hipotética mudança de Anne para os Estados Unidos... Em síntese, achava que ela não se adaptaria e que uma decisão como aquela implicava em deixar para trás os antigos amigos, propósitos, sua ocupação e, enfim, tudo o que era importante em sua existência.
(...)
Certamente a decisão de partir para Chicago e viver com Lewis equivaleria
a “refazer a vida”... Foram essas as palavras que Paule havia usado... E
equivaleria também a submeter-se a um “acanhamento singular”... E isso tinha a
ver com o raciocínio de Robert...
Em pensamento, Anne concordou que não passaria de
estrangeira desconhecida no imenso país de Lewis... Ela não poderia se
incorporar a ele... Viveria limitada à sua paixão e agarrada a ela.
É claro que Anne não se via “vivendo exclusivamente para o amor”...
Todavia a convivência com Robert tornara-se algo pesado, dado que cada dia que
se iniciava significava um “convite à inutilidade”... Ele jamais anunciara que
precisasse dela... Ela se sentia desnecessária.
Lewis, ao contrário, havia lhe perguntado “por que não
ficava para sempre”... Anne não conseguia deixar de pensar em como lhe negara o
pedido... Isso lhe doía também porque prometera a si mesma jamais
decepcioná-lo. Além disso, sequer encontrava uma justificativa para não atendê-lo.
(...)
Havia esperança...
Lewis ficou de escrever-lhe... Pelo que haviam combinado, em breve uma
carta chegaria... Era bem possível que a mensagem fosse de lamentos e de
inflamados pedidos para que retornasse.
Se assim fosse, Anne poderia “renunciar à velha segurança” e responder
que voltaria imediatamente para permanecer ao seu lado pelo tempo que ele a quisesse.
(...)
Robert e Anne fizeram os planos de viagem para a Itália... Ela
apressou-se a telegrafar para Lewis, deixando claro que deveria enviar sua
carta para Amalfi (faria uso do serviço de posta restante)... Ela calculou que
por duas semanas seu destino estaria suspenso... Depois haveria de decidir,
quem sabe, por uma aventura louca “num futuro desconhecido”.
Ou então optaria pela
mesmice, “ausência e espera”.
O período destinado à
viagem seria de “passar o tempo”.
(...)
E assim ocorreu...
Nápoles, Capri, Pompeia... Herculano, Ischia...
Anne percorreu os vários
ambientes com o marido... Interessava-se por ele “naquilo que o interessava”...
Quando estava só, fingia ler ou contemplar cenários...
Na verdade puxava pela memória os momentos que passara com Lewis, as chegadas e
partidas, os passeios pelos Estados Unidos e pela América Central...
Dormir passou o seu principal passatempo.
(...)
Robert interessou-se tanto por Ischia que acabaram
passando mais tempo ali do que haviam planejado... É por isso que chegaram a
Amalfi três dias depois do previsto.
Anne não escondia sua ansiedade... Pelo menos carregava consigo a
certeza de que encontraria uma carta de Lewis no correio.
Ao descerem do ônibus, Robert a aguardou numa praça...
Ela seguiu para a agência contendo a euforia.
Ao chegar à agência, observou as pessoas e seus gestos... Pensou que o
tédio da repetição se impregnava em locais como aquele, onde a passagem do
tempo parece ser mais lenta.
Isso pouco importava... O
que a levava ali nada tinha a ver com o pó acumulado nas prateleiras.
Tomou lugar numa fila que encaminhava pessoas a
um dos guichês.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_64.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto