Anne retornou a Paris...
Partiu dos Estados Unidos, onde deixou Lewis, o homem que havia mudado suas expectativas existenciais...
Tendo o avião pousado com duas horas de antecedência, a madrugada deserta conferiu ares de tristeza à atmosfera...
Evidentemente não a esperavam, então deixou sua bagagem na estação dos Invalides e seguiu de ônibus.
(...)
Parecia uma intrusa ao evitar barulho no movimento das
chaves... Não pretendia despertar Nadine... Com extremo cuidado girou a
maçaneta do escritório... Lá estava Robert num roupão, envolvido em seu
silêncio e a refletir sobre algum artigo... Ele espantou-se com a chegada
antecipada e esclareceu que estava prestes a se arrumar para pegá-la no aeroporto.
De sua parte, Robert era todo solícito... Quis saber se tudo ocorrera
bem e conforme ela havia planejado, se estava cansada...
Conversaram sobre essas coisas, e no instante mesmo em
que Anne se viu sozinha pôs-se a pensar sobre como se sentia estranha no
ambiente do qual estivera ausente... Tudo ali parecia em seu devido lugar...
Menos ela.
(...)
Anne se sentiu deslocada da realidade...
Mas ela sabia que aos poucos a vida cotidiana retomaria o seu ritmo...
Em seu quarto perambulou da
janela para o divã... Olhou para a correspondência sem o menor interesse.
Depois leu despretensiosamente...
Uma carta de Mardrus... Amigos
apareceriam para revê-la... Perguntavam sobre quando reabriria o consultório e
retomaria o atendimento aos seus pacientes...
Também havia uma carta de Paule... A moça queria um encontro... Anne
notou que sua letra estava “menos infantil” e sem tantos erros de ortografia.
(...)
Nadine tinha novidades para
contar... Mas Anne envolvia-se em seus pensamentos sobre, afinal de contas, o
que estava fazendo ali. A garota logo notou que teria de deixar a conversa para
depois.
Robert levou-a para um
passeio... Cais, a Place d’Italie... Ele parecia animado ao falar a respeito da
repercussão de seu livro. E, mesmo sem grandes expectativas a respeito dos
desdobramentos políticos ou de qualquer possibilidade de militância, sinalizava
com a possibilidade de prosseguir escrevendo.
Anne notou que, em
sua ausência, Dubreuilh melhorou seu estado de espírito... Em breve ela também
falaria com Henri... As cartas e os textos para futuras publicações do marido
seriam lidos por ela...
(...)
Anne pensou que pelo menos Robert havia “retomado gosto pela vida”...
Ela conhecia as coisas sobre as quais ele falava... Tudo tinha a ver com o seu
passado também... Estar em Paris era aborrecedor... Então, paradoxalmente, não
conseguia divisar realizações futuras ali.
Robert falou sobre uma
viagem à Itália... Surpreendeu-se ao ouvir da esposa que o acompanharia
aliviada por deixar mais uma vez a França...
Havia uma parte de Anne que considerava que mais cedo
ou mais tarde teria de reatar com Paris e seus vínculos... A outra parte era a
que desejava o ambiente do outro lado do oceano, onde vivia Lewis.
Um profundo mal estar tomou conta dela assim que falou sobre a sua
última semana de trabalho nos Estados Unidos... Robert ouviu-a com atenção e
compreendeu a angústia provocada pelo “distanciamento em relação aos estudos e
debates sobre a psiquiatria moderna” que tinham palco na América.
Como suportar toda aquela indulgência?
Anne só conseguia pensar em Lewis e em sua solidão...
Não tinha coragem de se abrir com o marido.
(...)
Nadine contou que Paule telefonara... Robert explicou que a outra vinha
insistindo em encontrá-la... A própria Anne disse que o doutor Mardrus garantiu
que ela estava curada... Decidiu que a encontraria no dia seguinte... Estava
curiosa e pretendia conferir a cura.
À noite conversou com Nadine...
A garota estava falante...
Mostrou-se satisfeita ao dizer que voltara a
sair com Henri. Mas não foi dessa feita que contou todas as suas novidades à
mãe.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-anne.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto