Os dias se passaram...
A viagem pela Itália prosseguiu... Palermo, Siracusa...
Lewis voltou a escrever com regularidade... Uma carta por semana.
Como antigamente, seus dizeres eram finalizados por um “Love”.
Anne continuou preocupada... “Love” podia significar muito, ou nada... Uma fórmula banal? Este questionamento importava na medida em que ela não conseguia se reanimar, principalmente porque continuava sem clareza do desejo de Lewis em relação ao próximo verão.
(...)
O sol da Sicília era sempre muito ardente... Robert e
Anne tornaram-se bronzeados. Ela, porém, experimentava intensa friagem em seu
íntimo.
Aborreceu-a o ócio diante do imenso mar... Sua extensão sem fim era-lhe
tão massacrante quanto à ausência.
(...)
Enfim retornaram a Paris.
Anne mergulhou no cotidiano de afazeres e relações... Pode-se dizer que,
emocionalmente, seria preciso “recobrar forças”. Esse engajamento não era dos
mais difíceis, já que bastaria sentar-se novamente com Robert e conversar o que
sempre conversavam... Ou então sair com Paule para beber uísque. Aliás, isso ela
era capaz de fazer sozinha.
Nas primeiras horas esteve disposta a manter Lewis como um episódio ao
qual atribuíra excessivo valor em sua existência... Levou em consideração que
havia “forçado a barra” com ele, principalmente porque o relacionamento começou
num momento em que avaliava encerrada a sua “vida de mulher”... Seguramente não
havia necessidade de se envolver numa paixão àquela altura da vida.
Lewis poderia desligar-se
dela... Havia (por que não?) a possibilidade de Anne procurar outros amantes ou
simplesmente voltar à costumeira austeridade. Mas a situação não se resumia a
isso. Em suas mais profundas aspirações não admitia fazer da experiência com
Lewis apenas uma “bela recordação”.
Não demorou e Anne
passou a rejeitar a ideia de encerrar o caso sozinha... Passou a sentir que não
tinha esse direito. Além do mais, era com sinceridade que amava. Seu amor não
se tratava de “anedota que se possa extirpar da vida”... Entendeu que, junto
com Lewis, devia carregar o amor que nutriam um pelo outro. Renegá-lo
equivaleria a cegar-se. Recusá-lo era fuga e fingimento.
A cada carta que
recebia sentia-se angustiada, pois sabia que a cura para o seu vazio interior
possuía um remédio que estava muito distante.
(...)
Foi no outono que Nadine apareceu com uma notícia que demandava diálogo
com a mãe... Embora trouxesse inquietação no olhar, não fez rodeios para
anunciar que estava grávida.
Anne quis saber se ela tinha
certeza... Depois perguntou se engravidara propositadamente. Nadine respondeu
indagando se havia crime em pretender gerar um filho.
O filho era de Henri, afinal era com ele que a garota
passava as noites... Anne quis saber se ele concordava, Nadine disse que ele
ainda não tinha conhecimento do fato, pois sequer conversaram a respeito.
Em síntese, a gravidez havia sido desejada por Nadine... Ela pouco se
importava quanto às intenções de Henri, e nem seria ela quem o forçaria a se
casar.
Anne não descartou a possibilidade de a filha ter
engravidado para forçar a barra do casamento... Explicou que ela teria de se
acertar com ele... Caso o rapaz não assumisse a união, seria necessário, pelo
menos por um tempo, que Robert se encarregasse dos cuidados com ela e a criança.
Nadine pôs-se a rir... Provocou a mãe ao dizer que esperava os seus
conselhos. Anne redarguiu a respeito das reservas que ela sempre sustentou em
relação às suas recomendações, todavia explicou que não deveria impor o
casamento a Henri sem ter certeza de que esse fosse a sua vontade... Argumentou
que, se ele se sujeitasse a um arranjo para acalentá-la ou para socorrer a
criança, o casamento seria um desastre.
Nadine explicou que não iria sugerir nada. Deu sua opinião a respeito de
todo homem desejar ter um filho... Disse que é uma questão que envolve medo, e
por isso não se manifestam abertamente, mas a notícia da paternidade acaba
emocionando a todos...
A garota emendou que o casamento faria bem a Henri... Em sua opinião, “a
vida de boêmio” não mais combinava com ele.
Anne encerrou a conversa... A filha pediu seu
conselho (debochando, é verdade) e ela fez a sua parte... Sentenciou que os
dois deviam fazer o que bem entendessem.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_14.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto