Anne disse que não era por devotamento que continuava com Robert... Paule respondeu que se fosse apenas por hábito, estava claro que aquilo não tinha a menor importância... Ela julgava que ambas eram ainda “moças demais” para se manterem resignadas. A experiência pela qual passara durante o tratamento psiquiátrico com o doutor Mardrus a tornara uma mulher feliz.
Paule não percebia, mas de sua face escorreram algumas lágrimas. Talvez chorasse pelo amor de dez anos devotados a Henri... No fundo aquilo se tornara uma “chaga vergonhosa”...
Anne sorveu outro gole de uísque e também teve vontade de derramar lágrimas... Depois concluiu que jamais espalharia ao vento, e a rir sardonicamente, as cinzas de seu passado como a outra... Preferiria “morrer de sofrimento”.
(...)
Anne também esvaziou seu copo... Apertou-o com força
enquanto refletiu sobre a própria situação... Apesar de sua crítica, tinha
consciência de que não seria difícil chegar à mesma condição de Paule...
Também ela não conseguiria salvar o próprio passado em sua totalidade.
Em seus pensamentos
divisava uma vida de fidelidade a Robert, a quem ela contava bem pouco... Em
suas recordações estaria Lewis, a quem ela havia sido tudo... Certamente
sentiria imenso pesar no mais fundo de sua memória.
Paule prosseguiu falando... Anne não mais lhe ouvia...
Mergulhada em seus pensamentos lamentava a condição em que se via condenando
Lewis... Sabia que ela mesma não lhe dera esperanças de futuro para o
relacionamento... Sentia o peso das palavras de Paule, “a Robert bastavam
papéis e tempo para escrever”...
E como aquilo fazia
sentido! Visualizou o escritório “tão cheio” sem a sua presença... Não
adiantava esforçar-se para descobrir em si mesma alguma importância, pois “nos
domínios que contavam para Robert” ela não tinha nenhuma valia.
Robert era um indivíduo ensimesmado e autossuficiente “em face dos seus
verdadeiros problemas”... Lewis era o homem que a desejava, que a queria entre
os braços... Pelo menos essa era a sua tese... O amor seria massacrado por sua
opção... Lewis distante... Robert próximo... Um reclamava sua presença; O outro
jamais havia pedido nada, embora ela fosse capaz de dar a vida por ele.
(...)
Mais uísque...
Poderia se instalar em Chicago. Eventualmente retornaria para Paris,
onde encontraria Robert, seu sorriso e solicitude. Não era fácil imaginar isso
mesmo que se considerasse que, para ele não houvesse nenhum indicativo de
separação.
É certo que, para Anne, o drama continuaria... A opção
de permanecer junto a Robert resultaria em futuros remorsos.
(...)
O encontro com Paule chegou ao fim.
Anne retornou para casa
muito tarde. A bebida não lhe fizera bem... Dormiu mal...
Na manhã seguinte explicou
a Robert os motivos de sua feição abatida. Ele perguntou-lhe se lamentava ter
regressado da América... Anne respondeu que não sabia ao certo e que, de certo
modo, achava absurdo o fato de ter deixado para trás o ambiente onde era
requisitada, onde havia quem necessitava dela.
Robert perguntou-lhe
se acreditava que poderia viver na América, se seria feliz... Ela respondeu que
tentaria esse projeto se ele não existisse... Ele ponderou que talvez ela não
conseguisse viver sem os amigos, sem ocupação e cercada por pessoas com outros
costumes e que sequer falavam a sua língua... Seria uma ruptura em relação ao
passado e a “tudo o que é importante” em sua existência.
Para Robert, Anne não suportaria por muito tempo a mudança radical...
Ela passou a refletir sobre isso.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_12.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto