Durante certa noite discutiam sobre o futuro da Europa à luz do Plano Marshall. Falava-se sobre riscos de guerra futura...
Nadine ouvia a tudo com assombro... Ela trazia no ventre um ser que herdaria realidade bem sombria.
A um canto estava Anne sem demonstrar a menor preocupação em relação às frases proferidas... Seus pensamentos voltavam-se inteiramente às cartas de Lewis que relatavam “aventuras sem importância”. Numa delas ele havia deixado escapar uma frase com palavras hostis sobre a distância compulsória a que estavam submetidos (a frase citada é “através do oceano, os braços mais ternos são frios”).
Ela bem sabia que não podia exigir-lhe fidelidade... As linhas reclamavam com rancor a dor da ausência... Ainda se encontrariam? Ele a perdoaria e lhe concederia o seu verdadeiro sorriso? Difícil saber.
Enquanto no escritório de Robert discutiam a respeito do destino de milhões, Anne conseguia pensar apenas no sorriso do amado. O singelo sorriso nada tinha a ver com aquele assunto... Ele era incapaz de paralisar as bombas tecnológicas, pois “não tinha poder algum contra coisa alguma”.
Ela levou em conta que o fato de sorriso de Lewis assumir condição de primícias em relação aos infortúnios do mundo era mesmo escandaloso. Ser amada “não é um fim ou razão de ser”! Isso não altera em nada a “ordem mundial”! E seque adiantava em coisa alguma para ela própria!
Robert e Lewis prosseguiam em suas discussões sobre Geopolítica... O que Lewis estaria pensando do outro lado do oceano? Seria loucura depositar o seu destino no coração amado... Ele, “um entre milhões de outros”.
Quanto egoísmo! Anne procurou envolver-se nas discussões ouvindo as considerações relevantes que faziam... Mas involuntariamente sentia-se distante e com os “braços frios”.
Optar pelo coração distante era uma arbitrariedade... Escolher o universo todo também o é.
(...)
Anne escreveu a Lewis... Sempre escrevia.
Não há detalhes sobre as expressões
utilizadas por ocasião da resposta às “palavras mais hostis”... Ao que tudo
indica elas levaram-lhe confiança porque suas cartas seguintes traziam notícias
sem margens para duplas interpretações.
Assim, Anne soube que ele
havia negociado os direitos de seu livro com Hollywood e que não podia reclamar
de falta de dinheiro... Alugou “uma casa às margens do lago Michigan”...
Aos poucos, a
comunicação entre ambos tornou-se de amizade sincera e cúmplice.
(...)
A essa altura a primavera já se fazia presente... A fortuna parecia
abraçar a todos.
Henri e Nadine se casaram... Anne sentiu que também precisava
experimentar um pouco mais de felicidade e resolveu escrever a Lewis dando
conta de seu interesse em conhecer a casa do lago.Não podia ter certeza da resposta que receberia... Ele poderia dizer que a casa só ficaria pronta no próximo ano... Ou que ainda não tinha certeza de que tornariam a se rever.
Mas aconteceu que o envelope seguinte traziam dizeres bem animadores. Ele a aguardava para o final de julho.
Desde que haviam se despedido até aquele instante, Anne estivera muito insegura quanto à relação com Lewis. Sinceramente não apostava num reencontro... Não sabia se ele cultivava sentimentos por ela... A distância e seu sucesso editorial poderiam o ter levado a relações bem mais significativas...
A carta afastou esses temores. A alegria tomou conta de Anne.
Durante todo o mês seguinte ela procurou cuidar-se melhor...
Mandou fazer vestidos novos, para a praia e banhos de sol...
Comprou peças íntimas que estavam na moda (anáguas longas e sedosas)...
Não implicou com Paule quando esta lhe presenteou com um perfume parisiense de alto valor.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-de.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto
