Lewis havia assinalado uma série de artigos para facilitar a leitura de Anne...
Sobre um criado-mudo empilhou várias revistas... Ligou o rádio.
(...)
Nas outras ocasiões, por muitas vezes, aconteceu de permanecerem por
algum tempo lendo ou ouvindo rádio... Anne e Lewis faziam isso sem trocar
palavras... Mas dessa vez ela estava se sentindo um tanto incomodada... Chegara
fazia pouco tempo e o parceiro não pensava em outra coisa além da partida
transmitida pelo aparelho!
Ela comparou a situação com
as anteriores, quando ele a exigia junto a si por completo e por todo o tempo...
Também a intrigava o fato de ele ter apagado as luzes na última noite... Sequer
pronunciara o seu nome!
Alguns “fantasmas”
começaram a atormentar o pensamento de Anne... Procurando afastar-se da
neurose, concluiu que devia ser assim mesmo... Tinha de considerar que o
intervalo de um ano é tempo demais, assim era natural que ele demorasse um
pouco a reencontrá-la como tanto desejavam.
Passou os olhos sobre um artigo a respeito do último
livro de Faulkner... Mas a leitura não fluía, então as amargas reflexões
voltaram-lhe... Afinal, por que não estavam abraçados? Aquela partida de
basebol não tinha hora para terminar?
Pensou que dormira demais... Estava sem sono... Do contrário poderia “apagar”
enquanto a esperada normalidade não se restabelecia.
O outro permanecia atento à transmissão... Mesmo assim
ela sugeriu com bom humor que poderiam comer algo. Ele pediu-lhe paciência,
pois faltavam apenas dez minutos, e havia apostado três garrafas de uísque no Giants.
Para Anne, os minutos pareciam longos... Estava claro que Lewis não
atribuía nenhuma aura especial àquele dia. De repente ele manifestou grande
alegria logo que a transmissão se encerrou... Venceu a aposta e imediatamente
sugeriu irem ao restaurante alemão. Ela aprovou, pois guardava boas recordações
do lugar.
(...)
Trocaram ideias animadamente enquanto comiam salsichas e repolho roxo...
Lewis falou sobre a sua experiência em Hollywood... Depois passaram pelo bar
que era frequentado por vagabundos e pelo ambiente onde ouviram Big Billy tocar
da primeira vez que Anne estivera em Chicago.
Ela continuava a sentir que as iniciativas de Lewis pareciam tentativas
de “imitações”. Não era algo natural... De repente, lembrou-se de suas palavras
no último ano, quando garantiu que não mais tentaria deixar de amá-la...
Voltaram para casa... No táxi, Anne acomodou a cabeça no ombro do
amado... Nada disse enquanto o carro rodava... Sentiu-o bocejar e procurou
estabelecer uma relação entre o que ele alegara sentir e o modo como se
comportava... Como entender o bocejo quando a tinha em seus braços?
(...)
Ao entrarem em casa, Anne
carregava em sua mente a necessidade de fazer-lhe perguntas...
Deitaram-se e ele se
enrolou nos lençóis ao mesmo tempo em que lhe desejava um boa-noite... Virou-se
de costas.
Imediatamente ela o
puxou e perguntou-lhe o que estava acontecendo... Ele respondeu apenas que
estava cansado... Anne insistiu e esclareceu que se referia ao dia que passaram
juntos... Afinal, ele a reencontrara ou ainda não?
A resposta foi afirmativa.
Anne disparou que, então,
precisava saber se ele não a amava mais.
Lewis Brogan silenciou.
Ela se sentiu estúpida e angustiada com a
possibilidade de seus temores se confirmarem naquele mesmo instante.
Lewis nada respondeu... Então ela repetiu a pergunta.
Ele disse que continuava a gostar muito dela...
Tinha-lhe afeição, mas não podia dizer que era amor o que sentia por ela.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_22.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto