Lewis falava a respeito do quanto as pessoas vivenciavam realidades infelizes por se submeterem aos caprichos de maridos, esposas e filhos... Comparava as condições dos próprios amigos (citou Virgínia, Willie e Evelyne) às de escravizados.
(...)
Anne lembrou-o de que no ano anterior ele mesmo falara sobre o desejo de
casar-se... Lewis riu e não desmentiu que eventualmente pensasse nisso, mas
garantiu que logo chegava à conclusão de que não conseguiria se imaginar com
esposa e filhos... Certamente “daria o fora”.
Empolgada com a conversa,
Anne perguntou se ele considerava a possibilidade de ainda se verem no futuro.
Lewis devolveu-lhe a pergunta “por que não?”... A ela parecia evidente que o
fato de morarem muito distante um do outro explicaria a impossibilidade... Ele
concordou... De fato era uma constatação.
Disse isso e retirou-se para o banheiro.
(...)
Era assim mesmo que ocorria... Ele sempre dava um jeito de se esquivar
nos momentos em que ela conseguia uma aproximação. Talvez se comportasse dessa
maneira porque sabia que a desagradaria por não atender suas demandas.
Dormiam em camas separadas. Todavia os dias se
passaram e ninguém podia sentenciar que os dois não mais se relacionariam
intensamente.
Anne prosseguiu em suas reflexões a respeito de como sair daquele enredo
sem maiores traumas... Agora estava feito... Ele não a impedira de voltar para
a temporada... O fato de tê-la em sua presença dava-lhe prazer, ela compreendia
isso, mas não o perdoava não ter lhe dado ciência a respeito das mudanças pelas
quais seu coração passara.
Lewis só se preocupava consigo mesmo. E ainda por cima exigia que ela
estivesse sempre com a cara boa e aparentando disposição para a vida.
(...)
Certa manhã, Lewis se pôs a regar a grama do jardim... Anne o observou de
longe e considerou-o simplesmente “um homem entre outros”... Por que haveria de
insistir que se tratasse de um “tipo único”?
A correspondência chegou...
Nenhuma carta... Ela apanhou os jornais prevendo que teria boa parte da tarde
para ler o noticiário... Depois escolheria um dos livros da biblioteca, ouviria
discos... Nadaria...
De repente ele a chamou
para mostrar-lhe o arco-íris que tinha se formado nas gotículas que espirravam
do jato d’água.
Anne observou sua
fisionomia alegre... Teria como pensar mal dele? Pode ser que ele buscasse se
defender recusando-se a sofrer por causa dos sofrimentos de sua parceira...
Talvez se preocupasse sinceramente apenas com os próprios sentimentos.
Em seus pensamentos, Anne resgatou a ocasião em que ele dissera que se casaria
com ela “na hora”... Isso também a despertava para a sua cruel realidade...
Bastariam gestos como aqueles ou uma “inflexão de sua voz” para que ela
“reencontrasse o Lewis de outrora”... Mas tinha de aceitar que “perdê-lo” no
instante seguinte era algo que não dependia dela.
Mesmo sabendo que isso lhe
trazia complicações, ela continuou a amá-lo.
(...)
Houve o dia em que Lewis viajou sozinho para Chicago...
Anne pensou que por 24
horas experimentaria certa paz de espírito.
Na próxima postagem veremos o
que ocorreu.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_33.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto