quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

“Ocupação Ilê Aiyê” no Instituto Cultural Itaú – Primeira Parte; um pouco da história, identidade e resistência; Mãe Hilda e legado

Em novembro do ano passado visitei a exposição “Ocupação Ilê Aiyê” no Instituto Cultural Itaú da Avenida Paulista.
A “ocupação” teve início a 3 de outubro e se encerrou no último dia 6 de janeiro.
Esta postagem e a próxima são dedicadas à importância dos documentos expostos e à relevância do aprendizado que ela proporcionou.


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Costumamos associar o Ilê Aiyê aos tradicionais desfiles de blocos carnavalescos de Salvador. Está correto, mas sua existência não se resume à tradicional e festejada folia. O Ilê Aiyê é bem mais que um bloco que sai às ruas arrastando multidões.
Fundada a 1º de novembro de 1974, desde o seu início essa associação marcou posição contrária ao racismo e segregação que se notava durante as festividades nas ruas de Salvador. Assim, o Ilê Aiyê se destaca pela afirmação da raça e valorização da história e cultura afro-brasileiras. Não somente seus desfiles são protagonizados apenas por negros, mas toda a sua organização é marcada por intensa pesquisa que resulta em celebração dos temas que a comunidade consagra.
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Os ambientes organizados para a exposição destacaram vídeos e diversos outros tipos de mídias interativas visuais e audiovisuais, além de vários painéis com textos e/ou fotos. Estampas de tecidos de fantasias desde a fundação, manequins com trajes, adereços e máscaras, recortes de reportagens e os depoimentos de personalidades históricos contribuíram para a reflexão sobre os propósitos do Ilê Aiyê até a atualidade.
Numa sala determinada foi montada uma tela que exibia o Mestre Kehindê Boa Morte e suas orientações a respeito dos instrumentos utilizados pelo bloco em evolução. Surdo, Caixa, Repenique e outros têm suas especificações e participam da harmonia rítmica. O visitante que quisesse podia experimentá-los ali mesmo.

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A origem do Ilê Aiyê é o Curuzu, localidade pobre de Salvador.
Mãe Hilda (Hilda Dias dos Santos; Mãe Hilda Jitolu, Ialorixá – que significa “sacerdotisa líder” em iorubá) foi quem permitiu que o bloco (idealizado por seu filho Antônio Carlos dos Santos, conhecido como Vovô*, e por Apolônio de Jesus) tivesse um local para que pudesse se organizar. Ela cedeu uma área de seu terreiro para este fim.
Os brasileiros vivenciavam o período mais autoritário dos anos de Ditadura Militar e particularmente a comunidade negra era constantemente agredida em suas manifestações, sobretudo aquelas de afirmação do protagonismo da gente negra. Logo na primeira vez que o Ilê Aiyê saiu, havia o temor de que a polícia usasse da costumeira repressão. Os registros dão conta de que Mãe Hilda se colocou à frente de todos para defender os próprios filhos e os filhos dos moradores do Curuzu. Se algo ocorresse, ela seria “a primeira a ir para a cadeia”.

                  * Mãe Hilda foi fundadora, matriarca e líder espiritual do Ilê Aiyê; Vovô, nascido em 1952, também fundador do bloco, segue presidindo a associação e é referência nacional no debate sobre a formação da “identidade negra”.

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A existência de Mãe Hilda data entre 1923 e 2009.
Uma das telas de “Ocupação Ilê Aiyê” exibiu ininterruptamente uma entrevista que ela concedeu à TV Educativa da Bahia, nos primeiros anos do bloco.
Enquanto viveu dedicou-se ao Ilê Aiyê e insistiu para que suas atividades não se resumissem ao Carnaval. Graças a isso, a comunidade passou a contar com ações sociais e outras especificamente voltadas à Educação das crianças do Curuzu.
A “Escola Mãe Hilda”, por exemplo, garante ensino formal vinculado a “conteúdos sobre a cultura negra e africana durante o ano todo”. Outros projetos são o de Extensão Pedagógica; a Escola de Percussão, Canto e Dança “Band’Erê”; a Escola Profissionalizante e mais o Projeto Dandarerê (especificamente para a terceira idade).
A exposição destacou que Mãe Hilda deixou o preceito da “interdição dos rituais de santo no cotidiano do bloco – nas músicas, nas danças e nas roupas”. Imagens de documentários mostram Mãe Hilda invocando a benção dos santos a todos que participavam das saídas do Ilê Aiyê. Tal preceito segue mantido.

                   “Para descer do Orum, o céu, para o Aiyê, a terra, os ritos são
                        recriados. E em todos persistem os ecos do sagrado.”

Indicação (livre)
Um abraço,
Prof.Gilberto

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