Assistimos a um dos dias das detidas.
Confinadas ao manicômio, deviam passar o resto de suas vidas apartadas da vivência externa. Também essa só podia ser marcada por total submissão e nenhum protagonismo.
A rotina devia ser mesmo de repreensões, ameaças de encaminhamento ao “Doutor Mendes” (sempre citado pela enfermeira intimidadora) e injeções para conter os comportamentos mais ameaçadores.
Manifestavam suas angústias e esperanças diariamente... Elas deviam ter muito a dizer, e o contato com as “novas companheiras” é oportuno.
(...)
Uma delas se mostra
sensível a poemas e até produz alguns... Outra tem certeza de que já “está
curada” e que o marido chegará “em algumas horas” para levá-la para casa... Há
aquela que se aproximou de uma senhora (mãe de uma das estudantes) e iniciou um
diálogo retomado e continuado diversas vezes... Uma se pôs a falar sobre seus
desejos e experiências sexuais com tipos socialmente discriminados.
De
repente descobrem o caderno de anotações da rigorosa enfermeira... Neste
momento ela desabou emocionalmente ao perceber que seus segredos estavam sendo
lidos em alta voz... Os registros mostravam que também ela possuía angústias e
sonhos de viver um grande amor. Por fim haveria de se perguntar em quê ela se
diferenciava das demais.
Mais adiante outro
segredo foi revelado... Dessa vez foi o de uma das mais ensimesmadas. Todos
ficamos sabendo que logo depois de nascer, ela foi abandonada na “Roda dos
Enjeitados”...
Como compreender que
orfandade (condição não rara a inúmeras crianças abandonadas junto à porta da
Santa Casa ou de igrejas) e todo tipo de violência culminassem em arbitrária
internação?
(...)
“Hysteria” foi uma
grande aula.
Chegada a “hora da
oração”, elas se reuniram em torno de uma mesa... As que haviam sido contatadas
em meio ao público foram chamadas a participar. As preces imploravam a cura, a
“chegada do marido”, um casamento promissor e muitos filhos... As jovens
estudantes souberam contracenar, pois compreenderam a condição das mulheres do final
do século XIX.
Perto do fim houve um
congraçamento... Verdadeira euforia tomou conta de todas, que se abraçaram e
dançaram pelo salão. A interna que trocou ideias com a mãe da estudante durante
a peça apresentou um poema em homenagem a ela. E emocionou a todos ao declamar
versos rimados com uma síntese a respeito do que havia conversado com a mulher
(sobre seu casamento e as bodas, a felicidade na vivência com o esposo e os
filhos)...
Respeito e amor.
As duas até encenaram uma celebração em que se casavam!
Depois as portas do velho armazém se escancararam... As “internas”
conduziram todas as mulheres para as dependências externas.
Braços dados, cânticos e euforia ao cair da
tarde.
(...)
De volta ao salão,
ainda houve um tempinho para o bom debate sobre a peça e a sua atualidade.
Você pode imaginar o quanto este momento foi proveitoso... Sobretudo em
meio aos questionamentos dos jovens.
Uma
das professoras lembrou a todos sobre o quanto as ações de governo estavam
sustentadas em “orientações científicas” no período retratado pela peça.
As observações foram
muito interessantes. Entre os rapazes surgiu uma a respeito do quanto a figura
do “Doutor Mendes”, que jamais entrou em cena, legitimava a opressão que as
internas sofriam. Entre as moças, as manifestações foram sobre o preconceito
que sofrem cotidianamente e sobre a importância de todos começarem a mudar as
atitudes.
Quer
dizer, não basta conhecer a história, os abusos que ocorrem na sociedade e se
mostrar sensibilizado... É preciso mudar o modo de ser e de se relacionar com
os tidos por “diferentes”.
Do elenco de “Hysteria”:
Evelyn
Klein, Mara Helleno, Janaina Leite, Juliana Sanches e Tatiana Caltabiano.
Indicação (14 anos)
Um abraço,
Prof.Gilberto