domingo, 6 de janeiro de 2019

“Hysteria” – Segunda Parte – mais sobre a peça de Luiz Fernando Marques apresentada na Vila Zélia; sobre a condição das mulheres internas do hospício Pedro II e dramas que se repetem ao longo da História de nossa sociedade; o fim; proveitoso debate; do elenco

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/01/hysteria-primeira-parte-um-pouco-sobre.html antes de ler esta postagem:

Assistimos a um dos dias das detidas.

Confinadas ao manicômio, deviam passar o resto de suas vidas apartadas da vivência externa. Também essa só podia ser marcada por total submissão e nenhum protagonismo.
A rotina devia ser mesmo de repreensões, ameaças de encaminhamento ao “Doutor Mendes” (sempre citado pela enfermeira intimidadora) e injeções para conter os comportamentos mais ameaçadores.
Manifestavam suas angústias e esperanças diariamente... Elas deviam ter muito a dizer, e o contato com as “novas companheiras” é oportuno.
(...)
Uma delas se mostra sensível a poemas e até produz alguns... Outra tem certeza de que já “está curada” e que o marido chegará “em algumas horas” para levá-la para casa... Há aquela que se aproximou de uma senhora (mãe de uma das estudantes) e iniciou um diálogo retomado e continuado diversas vezes... Uma se pôs a falar sobre seus desejos e experiências sexuais com tipos socialmente discriminados.
De repente descobrem o caderno de anotações da rigorosa enfermeira... Neste momento ela desabou emocionalmente ao perceber que seus segredos estavam sendo lidos em alta voz... Os registros mostravam que também ela possuía angústias e sonhos de viver um grande amor. Por fim haveria de se perguntar em quê ela se diferenciava das demais.
Mais adiante outro segredo foi revelado... Dessa vez foi o de uma das mais ensimesmadas. Todos ficamos sabendo que logo depois de nascer, ela foi abandonada na “Roda dos Enjeitados”...
Como compreender que orfandade (condição não rara a inúmeras crianças abandonadas junto à porta da Santa Casa ou de igrejas) e todo tipo de violência culminassem em arbitrária internação?
(...)
“Hysteria” foi uma grande aula.

Chegada a “hora da oração”, elas se reuniram em torno de uma mesa... As que haviam sido contatadas em meio ao público foram chamadas a participar. As preces imploravam a cura, a “chegada do marido”, um casamento promissor e muitos filhos... As jovens estudantes souberam contracenar, pois compreenderam a condição das mulheres do final do século XIX.
Perto do fim houve um congraçamento... Verdadeira euforia tomou conta de todas, que se abraçaram e dançaram pelo salão. A interna que trocou ideias com a mãe da estudante durante a peça apresentou um poema em homenagem a ela. E emocionou a todos ao declamar versos rimados com uma síntese a respeito do que havia conversado com a mulher (sobre seu casamento e as bodas, a felicidade na vivência com o esposo e os filhos)...

Respeito e amor.
As duas até encenaram uma celebração em que se casavam!
Depois as portas do velho armazém se escancararam... As “internas” conduziram todas as mulheres para as dependências externas.
Braços dados, cânticos e euforia ao cair da tarde.

(...)

De volta ao salão, ainda houve um tempinho para o bom debate sobre a peça e a sua atualidade.
Você pode imaginar o quanto este momento foi proveitoso... Sobretudo em meio aos questionamentos dos jovens.
Uma das professoras lembrou a todos sobre o quanto as ações de governo estavam sustentadas em “orientações científicas” no período retratado pela peça.
As observações foram muito interessantes. Entre os rapazes surgiu uma a respeito do quanto a figura do “Doutor Mendes”, que jamais entrou em cena, legitimava a opressão que as internas sofriam. Entre as moças, as manifestações foram sobre o preconceito que sofrem cotidianamente e sobre a importância de todos começarem a mudar as atitudes.
Quer dizer, não basta conhecer a história, os abusos que ocorrem na sociedade e se mostrar sensibilizado... É preciso mudar o modo de ser e de se relacionar com os tidos por “diferentes”.

Do elenco de “Hysteria”:
Evelyn Klein, Mara Helleno, Janaina Leite, Juliana Sanches e Tatiana Caltabiano.

Indicação (14 anos)
Um abraço,
Prof.Gilberto

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