sábado, 5 de janeiro de 2019

“Hysteria” – Primeira Parte – um pouco sobre a peça de Luiz Fernando Marques apresentada na Vila Zélia; sobre a organização “do teatro” e disposição do público; internas do hospício Pedro II e dramas que se repetem ao longo da História de nossa sociedade

Em agosto do tumultuado 2018 tive a oportunidade de assistir à peça “Hysteria” na Vila Operária Maria Zélia, bairro do Belém.
Além de proporcionar a visita à centenária vila, o colégio em que a filha cursou o Ensino Médio propôs a dramatização aos estudantes como parte de projetos que vinham sendo desenvolvidos no decorrer do semestre.


(...)

Primeiro temos de levar em conta o ambiente de encenação...
A investigação de temas relevantes do passado de nossa sociedade é uma constante do Grupo XIX de Teatro. A proposta é levar o público a locais históricos, prédios do final do XIX e de início do século passado, tombados pelos institutos de patrimônio.
No caso da apresentação na Vila Maria Zélia, o ambiente era o vasto salão de um antigo armazém... Nada de palco em evidência.
A “historicidade” parece invadir a atmosfera local... Vê-se logo que o prédio é velho e que (infelizmente) padece do descaso das autoridades com o patrimônio. Mas, isso à parte, podemos entender que a construção cumpre o seu papel (neste caso, literalmente).

14h...
Não há palco, cortinas, holofotes, efeitos especiais ou sonoplastia... Ao fundo foi organizada uma arquibancada de madeira destinada a acomodar os homens (alunos do colégio, alguns pais e professores)... Também de madeira eram os bancos que circundavam o vasto salão. As mulheres (alunas, algumas mães e professoras) foram orientadas a ocuparem esses bancos.
(...)
Essa disposição inicial foi conduzida pelas atrizes já caracterizadas com uns surrados vestidos típicos do final do século XIX. É como se de um momento para outro tivéssemos sido transportados para local e tempo passados. Portas e janelas foram trancadas, então tudo à nossa volta passou a representar uma ala do Hospício Pedro II (Praia Vermelha) destinada a mulheres com diagnósticos de histeria.
Desde o início ficou claro que o público da arquibancada assistiria à dramatização e que todas as mulheres dos bancos vivenciariam a realidade proposta pela peça e interagiriam com as personagens. Também elas seriam “internas do Pedro II”.
(...)
Dramas do passado... E do presente...
Uma enérgica e rigorosa enfermeira controlava a ala das internas diagnosticadas como histéricas. Ela estava ali para “vigiar e punir” e se mostrava autoritária com todas as mulheres presentes (isso inclui as professoras, estudantes e suas mães).
Quatro internas ocupavam lugares em meio ao público feminino. Umas estavam mais “enturmadas” e se mantinham nos bancos. Conforme se pronunciavam, revelavam desejos, sonhos e os hábitos típicos de personalidades tidas como “alienadas” para a sociedade da época que estavam representando.
Todos espectadores puderam perceber que por motivos diversos aquelas mulheres haviam sido banidas do convívio social. Para os que estavam na arquibancada ficou claro que o machismo que imperava na sociedade explicava as exclusões.
A lucidez de cada uma das internas provocou certo desconforto. E mais: reconhecemos que seus dramas e “modos de ser” se repetem na atualidade!
(...)
Somos levados a questionar sobre qual era o “lugar da mulher” no início da República. Então, a partir das várias falas das personagens entendemos que se esperava que as mulheres fossem capazes de serem educadas para servir ao marido e satisfazê-lo em todos os sentidos, realizar tarefas domésticas, educar os filhos com retidão e recato religioso para que, dessa forma, fossem ajustados à sociedade.
A rigorosa enfermeira está ali para advertir sobre os desvios e para lembrar a todo momento o que cabe às mulheres ajustadas: as aptidões do corte e costura, a dedicação da boa esposa fiel ao lar e ao marido, a religião e os mais singelos gestos...

Indicação (14 anos)
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas